Shakira: The Guardian

Shakira: ‘Eu sei o que estou fazendo mesmo quando estou usando saia’

Shakira não é uma artista de 26 milhões de libras qualquer. Ela revela porque a vida é um campo de futebol, porque está em terapia e porque lambeu as barras daquela jaula

Por Alex Petridis

Guardian.co.uk, 15 de outubro de 2009

 

No lobby do estúdio onde Shakira está recebendo a imprensa britânica, há uma tv sintonizada em um canal de música sem intervalos. No geral, parece estar empenhado em um teste para descobrir quantas vezes um telespectador pode assistir o vídeo Mama Do, do Pixie Lott antes de sofrer dano cerebral permanente, mas pouco antes de eu ser chamado até a presença da quarta mulher mais rica do mundo da música (de acordo com a Forbes), é exibido o vídeo de seu novo single, “She Wolf”.

Isto torna a experiência de encontrar Shakira um pouco desconcertante. Não é apenas  que pareça estranho apertar educadamente a mão da mulher que você acabou de ver lambendo as barras de uma jaula com as pernas sobre a cabeça. Também é difícil entender que a mulher que estava usando um maiô no lobby está agora na sua frente. Shakira, como todo entrevistador é legalmente obrigado a perceber, é pequena, bela e fala manso. Ela está completamente vestida e o esmalte de suas unhas é preto e está descascado, como o de uma adolescente. O vídeo e a música, ela diz, são “representações da mulher de nosso tempo que sabe o que quer e defende sua liberdade individual com unhas e dentes e que se rebela contra as limitações que a sociedade e nossa própria cultura colocam nela”.

Certamente esta é uma forma de ver as coisas, embora – como rapidamente fica claro – o modo de Shakira de ver as coisas é consideravelmente diferente do de outras estrelas do pop. No decorrer de nosso encontro, ela cita Sócrates (“Uma vida sem examinação não vale apena”), fala abertamente sobre o fato de estar em terapia – “Apenas acho que ajuda muito ter um mapa de sua própria psiquê, porque quando você tem um mapa, sabe aonde ir” – e menciona sua paixão pelo tratado político-revolucionário ‘Direitos do Homem’, de 1791, de Thomas Pine. Não é preciso ter ampla experiência jornalística para saber que estas áreas raramente são tratadas em entrevistas com artistas com discos multi-platina, que geralmente se restringem aos assuntos de como eles se sentem abençoados e como eles são gratos pelo apoio dos fãs. No geral, Shakira faz um pouco disso também – “Se eu puder contribuir para as pessoas se divertirem, me sentiria realizada enquanto artista” – mas dá pra dizer que seu coração não está nisso pelo modo como a conversa rapidamente muda de direção em alguns minutos: “A vida é um campo de futebol, você não acha?”

Metáforas Elípticas

Os fãs de suas letras invariavelmente peculiares ficarão felizes em saber que ela fala da mesma forma que canta, se expressando através de metáforas elípticas. Ela conta que começou a ir a um psicólogo há oito anos, porque não conseguia decidir se “o cavalo estava guiando o jóquei ou se o jóquei estava guiando o cavalo” (ao notar minha expressão levemente confusa, ela adiciona: “Deveria ser a segunda opção”). É extremamente charmoso e você entende aonde ela quer chegar, mas leva a pensar em como foi a tão falada conversa por telefone entre Shakira e Gordon Brown (primeiro ministro britânico) no ano passado: A imagem mais provável é a do primeiro ministro tirando o telefone do ouvido e fazendo caras de ‘O que significa isto?’. Mas, de novo, talvez não. A conversa foi a respeito de seu trabalho de caridade que tem o intuito de educar crianças desprivilegiadas na América latina, – a Fundação Pies Descalzos que ela fundou quando tinha 19 anos e batizou em homenagem a seu terceiro disco e que até agora já deu educação e emprego a mais de 30 mil colombianos, e, quando Shakira chega ao assunto de seu trabalho social, as metáforas mais aéreas dão lugar a uma torrente de estatísticas: 35 milhões de crianças na América latina não têm acesso a nenhum tipo de educação, 300 milhões em todo o mundo não freqüentam a escola, um ano de escolaridade pode aumentar os ganhos de uma pessoa em até 20%.

Há uma segurança em sua postura que presumivelmente a favorece quando se encontra com políticos de todo o mundo. Não, ela diz, ela não se preocupa que políticos usem sua imagem para conquistar o público mais jovem e então ignorar suas demandas. “Eles não têm a minha imagem se não se comprometem com alguma coisa. É como as coisas funcionam comigo”. Ela pára por um instante, aparentemente procurando em sua bolsa sem fundo de frases peculiares: “Sei o que estou fazendo mesmo quando uso saias”

Ela diz que aprendeu a escrever letras em inglês “quando mal falava a língua”,com a ajuda não apenas de um dicionário, mas também da obra completa de Bob Dylan, Leonard Cohen e Walt Whitman (desnecessário dizer que estes são nomes que raramente surgem em entrevistas com artistas com discos multi-platina). “Foi provavelmente um dos maiores desafios da minha vida”, ela diz. “É como se eu tivesse sido jogada em uma piscina sem saber nadar e não tivesse me afogado”. Porém, há uma idéia mais condizente de que suas letras mais obtusas – “Estou começando a me sentir um pouco abusada como uma máquina de café em um escritório”, de She Wolf, ou o verso imortal de sua estréia no mundo de língua inglesa, “Whenever Wherever”, em que ela diz como se sente sortuda por ter “seios pequenos e humildes, então você não os confunde com montanhas” – são esforços caóticos de uma mulher para se expressar em uma língua que ela não domina muito bem. Bom, não são: se você ouvir a versão de Whenever Wherever feita para o mercado latino, a coisa dos peitos está lá: “Suerte que mis pechos sean pequeños, y no los confundas con montañas”, caso você queira falar dos peitos de Shakira em Bogotá. Da mesma forma, ela costuma atingir os jornalistas com uma metáfora levemente elíptica quando entrevistada em sua língua materna, como quando sua terra natal, Barranquilla, inaugurou uma estátua de metal de seis toneladas em sua homenagem. “Barranquilla é um grande seio”, ela disse à imprensa, “que me alimentou como ser humano”. Claramente, não tem nada a ver com barreiras linguísticas: seu inglês é incrível. Shakira simplesmente tem um jeito único com palavras.

‘Fiquei viciada em estar no palco’

Mas quase tudo em Shakira é único. Seu histórico mostra uma mulher que nos últimos anos foi entrevistada pela revista FHM, que quis saber se ela tinha ou não pensado na possibilidade de colocar próteses de silicone nos seios, e pelo The Economist, que não quis, preferindo se concentrar em seus pontos de vista sobre a globalização da indúsria fonográfica. Ela diz que a filantropia tem raízes em um incidente bem estranho em sua infância, quando seu pai recém-falido a levou para ver meninos de rua cheirando cola numa tentativa de mostrá-la que havia gente em situações piores que a deles. Neste meio tempo, sua caminhada rumo à fama é, novamente, diferente das rotas comuns dos superstars. Ela aparentemente decidiu que seu negócio era ser famosa aos 4 anos, seguida de uma epifania envolvendo uma performance de dança do ventre ao som de um instrumento árabe chamado doumbek durante uma visita a um restaurante com seu pai libanês. Um ano depois, ela estava “dançando e fazendo performances na escola, toda sexta, o mesmo número, de novo e de novo. Eu tinha 5 anos, fiquei viciada em estar no palco, parecia o lugar mais maravilhoso da Terra, se apresentar para uma platéia que, neste caso, era um bando de alunos, crianças da minha idade”

Não se sabe, exatamente, o que tais alunos fizeram ao serem submetidos a Shakira apresentando o mesmo número repetidamente toda semana, mas o regente do coral não ficou nem um pouco impressionado. “Ele achava que eu tinha um vibrato muito pronunciado e que eu desestabilizaria todo o coral se entrasse”. Ao menos seus pais a apoiaram em uma corrida que, de acordo com ela, “era muito mais uma compulsão do que uma mera ambição”. “Aos oito anos, eu descobri que podia escrever músicas. Meu pai as levava ao cartório e as registrava para que ninguém pudesse roubá-las de mim. Quem faz isso? Que pais vêem um tesouro nos rabiscos de seu filho?”.

Eles também a levaram para todo lado em seleções bizarras em Barranquilla, incluindo uma série de shows para mineiros. “Eu cantava em todo lugar que me convidavam”, ela diz, como se uma garota de dez anos cantando e dançando para uma platéia de mineiros fosse a coisa mais normal do mundo. “Assim, eu ganhei meus primeiros pesos. Eu costumava cantar em concursos de beleza, eventos locais de todo tipo”. Quando completou 14 anos, ela já tinha um contrato com uma gravadora, arrebatando um executivo de uma gravadora em um quarto de hotel, onde ela fez uma apresentação com o auxílio de um rádio portátil. Mas sua carreira não decolou: não havia uma cena pop muito forte na Colômbia e aos 17 anos, sua gravadora a ameaçou com um corte: “Antes do meu terceiro disco, eles me avisaram que se nada acontecesse, eu seria demitida. Sabia que era minha última chance, então tomei o controle. Comecei a me envolver com a produção e usar minhas próprias influências. Minha música era mais influenciada pelos americanos do que pelas minhas raízes latinas tropicais. Quando cantava em espanhol, tinha uma atitude mais rock’n’roll. Era muito inflexível, muito rígida em vários aspectos. Havia coisas que seriam completamente inaceitáveis para mim, como usar um maiô ou mostrar minhas pernas”, ela ri. “Eu era muito purista”.

Mesmo sem o auxílio de um maiô, o álbum seguinte vendeu 5 milhões de cópias só na América latina. O álbum seguinte, Laundry service, vendeu 13 milhões. “Depois disso, o artista já pode estabelecer regras.”, ela pontua o que, em seu caso, significa fazer escolhas profundamente idiossincráticas – seu disco Oral fixation Vol. 2, de 2006, continha canto gregoriano, sons de elefante, um coral de crianças e um pastiche de Led Zepppelin – e movimentos igualmente idiossincráticos na carreira: Depois de fazer turnê para o álbum Oral Fixation, ela se recusou a começar a trabalhar no álbum subseqüente e preferiu vestir um disfarce e ir estudar história na UCLA.

“Foi uma turnê muito longa, precisava dar um tempo de mim mesma. O universo é muito grande, não posso ser o centro dele. Então decidi ir para a faculdade estudar história em curso de verão, só para trocar de ferramentas, sentir o gosto da vida de estudante. Costumava usar boné e uma mochila enorme, parecia um menino, não fui reconhecida. Algumas pessoas olhavam para mim muito desconfiadas. Algumas pessoas me perguntaram, mas disse que meu nome era Isabelle. Continuaria indo para a faculdade se pudesse”

Mas agora, há o novo álbum para divulgar, jornalistas fazendo fila para entrevistá-la e depois outra turnê. Ela diz que a fama é bem aquilo que ela achou que fosse quando tinha 4 anos. “Não posso reclamar. Venho de uma cidade na Colômbia que a maioria das pessoas nem nunca nem mesmo ouviu falar. Quando olho para trás, nem acredito no caminho que já fiz. Sinto como se não tivesse feito nada ainda”

Ela disse um monte de coisas estranhas esta tarde, mas este parece um comentário particularmente estranho, visto suas vendas, o trabalho voluntário e sua fortuna, estimada em 26 milhões de libras esterlinas. “Eu deveria me importar menos. Já são 20 anos, mas eu ainda me preocupo com a minha carreira, com minha música”, ela sacode a cabeça. “Não é normal”, ela diz, sem necessidade.

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