É redundante dizer que Shakira desafia definições, mas na ultima noite, no TD Banknorth Garden ela fusionou com maestria diversas categorias que supostamente não deveriam ser colocadas juntas.
Para começar, uma vez que você é um cantor latino e resolve almejar os primeiros lugares das paradas americanas, espera-se que você coloque de lado todas as musicas gravadas em espanhol. Mas na ultima noite, o show protagonizado por Shakira foi primordialmente em espanhol, baseado essencialmente nos primeiros discos da cantora, ‘Pies Descalzos’, de 1996; e ‘Donde Están Los Ladrones’, de 1998.
Comparando seus hits, boa parte do set list executado na noite passada vem do rock dos anos 80, o que inclui “Estoy Aqui”, o hit “Don’t Bother”, “Te Dejo Madrid”, do lançamento em inglês Laundry Service, e a antenada “Si Te Vas”, de Donde Están Los Ladrones. Mas as mulheres do rock costumam ser magras e carregar muito pó no rosto. Elas não devem sair com baladas como “Antologia” ou “Underneath Your Clothes”, e muito menos se vestem com blusas brilhantes ou vestidos esvoaçantes. Elas tampouco seduzem arenas inteiras. Por outro lado, As rainhas das pistas de dança, que tiram da manga canções como “Hips Don’t Lie”, a exuberante mescla de sons latinos e arabescos que é “Whenever, Wherever” ou a divertida e potente “Hey You” supostamente deveriam ter vozes suaves e adocicadas. Não se espera que elas soltem agudos masculinos ou gemidos como os de Alanis Morissette e muito menos tenham tão poucos movimentos coreografados. Não se espera que divas do dance music ‘batam cabeça’ com seus guitarristas, dancem como robôs, andem pela platéia ou pulem freneticamente sobre o palco com os pés descalços. E, acima de tudo, não se espera que ninguém faça a dança do ventre.
Mas embora ocasionalmente abuse do poder do ridículo em letras como “For you, I’d give up all I own/ And move to a communist country” ( Por você eu desistiria de tudo o que tenho / e me mudaria para um país comunista) ou ainda “Baby I would climb Andes solely to count the freckles on your body,” (baby, eu escalaria os Andes apenas para contar as sardas de seu corpo), Shakira nunca protagoniza momentos de ‘eu não entender’. Apenas se mostra como uma cantora e compositora de canções fortes e memoráveis que anima platéias inteiras com um entusiasmo honesto e, é claro, um pouco de showbiz.