Shakira participou nessa segunda-feira, 16 de janeiro de 2017, do Fórum Mundial Econômico em Davos, na Suíça, onde recebeu o Crystal Awards, prêmio entregue à personalidades que se destacam no seu trabalho socioeconômico ao redor do mundo. Neste ano, ela foi a escolhida para ser homenageada, por seus 20 anos de luta contra a pobreza, falta de acesso à educação e qualidade de vida das crianças de seu país e no resto do mundo. Confira o discurso na íntegra e acompanhe a tradução:
Boa noite – obrigada pela honra desse prêmio e pela oportunidade de falar a todos vocês.
Hoje, nós sabemos mais do que nunca que o desenvolvimento primário infantil – especialmente do cérebro. O cérebro de uma criança que é bem nutrido, estimulado e desenvolvido, protegido de fatores como estresse e conflitos, tem melhor chance de desenvolver seu potencial máximo porque é provado que crianças que recebem cuidados devidos em seus primeiros cinco anos, se dão melhor na escola e na vida
Infelizmente, esse não é o caso em países como o meu ou em outros em desenvolvimento, onde nascer na pobreza significa nunca se livrar dela.
Nós deveríamos ficar transtornados que em 2017, 250 milhões de crianças de até cinco anos de idade estão em risco e estarão impossibilitados física e intelectualmente.
Agora pensemos por um segundo. Estamos falando de aproximadamente da população de um país inteiro do tamanho dos EUA
Isso é uma tragédia para essas crianças e uma falha épica para todos nós. Se nós não atentarmos para essas crianças a tempo, nós estamos falando sobre ciclos intergeracionais de pobreza e desigualdade. E quanto maior for a lacuna de crescimentos desiguais, mais difícil ficará de alcançá-los. Quão mais numerosas forem os rostos nascidos na pobreza, mais difícil de enxergar e se solidarizar com cada indivíduo e reconhecer que se não fosse um simples fator geográfico onde eles nasceram, poderiam ser um de nossos filhos.
Isso deveria nos deixar furiosos! E deveria nos fazer querer agir, porque todos nós temos uma parcela no resultado. O mundo está encarando sérios desafios atualmente. Por volta de 2050, é esperado um crescimento populacional expressivo e nós precisaremos alimentar 9 bilhões de pessoas, ou correr o risco de estar no limiar do conflito e da fome. Essa geração de crianças estará pronta para assumir a tarefa de eliminar a desnutrição e oferecer segurança alimentar?
Eles estarão preparados para trazer inovações e encontrar soluções para a mudança climática, desemprego e os mais complexos desafios encarados por nossa sociedade?
Quem irá nos ajudar a gerenciar nossos recursos mais eficientemente e sustentar ao longo do tempo, nos próximos 20 anos? São seus filhos, Milan e Sasha, meus filhos, e essas 250 milhões de crianças em risco que precisam que retrocedamos com as escalas ao seu favor.
Os bebês de hoje irão algum dia controlar nos negócios de amanhã. A produtividade deles será o combustível para as economias de amanhã. A capacidade deles de contribuição moldará as sociedades de amanhã. Resolver problemas futuros.
Todos vocês aqui têm um papel crítico para atuar. Então o que podemos fazer? Vamos encarar os fatos: nessa sala estão algumas das pessoas mais poderosas do mundo, o que significa que estão acima da curva e vocês podem ser tremendamente influentes. Nós precisamos aplicar os cérebros e as estratégias de negócios e usar os ativos, os recursos humanos e os talentos de vossas companhias para fazer o bem-estar social e resolver os problemas sociais.
Todos nós precisamos começar onde os governos não atuam. É o único jeito.
Dito isso – não é sobre tirar o governo da jogada – é sobre engajá-lo novamente. Mas nós temos que dar o primeiro passo, porque como pessoas de negócios nós temos as ideias, a agilidade, conhecimentos organizacionais e o poder do homem (e da mulher também!)
Quando nós começamos a construir escolas na Colômbia, nós escolhemos as áreas mais remotas, onde não havia literalmente nada: sem infraestrutura, ruas pavimentadas nem água potável.
Onde historicamente o governo tinha se afastado, nós chegamos.
Nós decidimos construir não somente escolas, mas estado da arte nas escolas, com modelos compreensíveis que incluem programas de desenvolvimento infantil primário, refeição escolar, treinamento parental e dos professores. Nós engajamos o governo como parceiro estratégico e tornamos praticamente impossível eles se negarem a fazer a sua parte.
A transformação nessas comunidades pode ser vista imediatamente, os empregos criados e a esperança restituída, mas as melhorias da infraestrutura foram surpreendentes. Eletricidade e água potável se tornaram acessíveis, estradas foram construídas, a desnutrição despencou e a melhor parte de todas: os alunos realmente responderam academicamente e agora essas crianças que poderiam ter sido recrutadas por guerrilhas ou traficantes de drogas estão em seus caminhos para a universidade ou prosperando em suas comunidades. Agora eu não tenho que chamar o governo com certa frequência, graças a Deus! Eles nos chamam querendo investir e construir mais escolas.
Eu não estou sugerindo que é fácil, mas há uma saída estratégica para a pobreza e é dar a essas 250 milhões de crianças o acesso que elas precisam aos programas de desenvolvimento infantil primário (ECD) para que elas vão às escolas e fiquem nas escolas.
Nós temos que pressionar os governos a aumentar seus investimentos no ECD, temos que investir em campanhas para consenso público, temos que tornar grátis o acesso à pré-escola e criar um fundo global para a educação, como AIDS, malária e tuberculose têm seus próprios fundos.
Eu sei que eu posso soar passional, como uma vez Bono me chamou, mas é porque EU SOU. E eu sei que eu posso levar as pessoas à loucura com minha insistência, mas a razão pela qual eu sou tão apaixonada é porque eu vi com meus próprios olhos o que investir em educação pode fazer. Não há nada mais divertido e satisfatório que ver uma criança que quase não tinha possibilidades de sucesso, florescer e viver bem. Para mim, é melhor que ganhar qualquer Grammy.
A gente não apertar pause e pedir a essas crianças que esperem para crescer até que entendamos tudo. Esse não é o momento de perder.
Nós precisamos investir nos humanos: é a coisa mais inteligente a se fazer, a coisa mais estratégica a se fazer e a única coisa a se fazer.
Muitíssimo obrigada!
