Shakira: Os filhos te fazem reorganizar suas prioridades.

A decisão, confessa, foi automática. Sem revisar contratos nem pensar por mais de dois minutos: em meados de novembro, Shakira cancelou tudo o que estava em sua agenda. A esperavam em Las Vegas para a entrega do Grammy Latino por La Bicicleta, – que canta em dueto com Carlos Vives – receberia dois dos prêmios mais importantes: gravação do ano e canção do ano. A esperavam em Los Angeles, onde se apresentaria junto a Vives na entrega dos American Music Awards. A esperavam em Buenos Aires e no Chile, onde estaria para lançar seu novo perfume, Dance. Mas a cantora colombiana decidiu ficar esse mês em Barcelona, onde vive com o jogador de futebol Gerard Piqué e os filhos do casal, Milan e Sasha. Tinha que ficar a qualquer custo.

Em suas redes sociais e nos meios de imprensa, falou de “motivos de força maior”. A viram entrar e sair constantemente da clínica barcelonesa Teknon, pelo qual começou-se a dizer que Milan, seu filho mais velho, estava doente. Então, umas fotos do menino junto ao pai – no estádio – serviram para desmentir essa versão. O que estava grava, hospitalizado por uma infecção cujas características não foram divulgadas, era Sasha.

Não foi nada difícil decidir ficar em Barcelona- conta a barranquillera. O que mais importava nesse momento era que ele se recuperasse cem por cento e foi o que aconteceu, graças a Deus. Mas enquanto estava doente eu não podia pensar em outra coisa nem fazer nada além de ficar com ele.”

Shakira (Shakira Isabel Mebarak Ripoll), a mulher que hoje tem toda uma geração entonando ‘Chantaje’ – que canta junto a Maluma-, fala sobre ser mãe e o que isso tem significado para sua vida e seu trabalho, mesmo antes que se pergunte sobre ele.

Pouco depois da recuperação de seu filho, Shakira deu mostras de suas novas prioridades quando chegou um pouco tarde à festa dos Los 40 Music Awards, em Barcelona, onde recebeu o Golden Award, pelo talento e trajetória. “Sinto muito rapazes, mas com crianças pequenas já sabe, foi impossível chegar antes”, disse no tapete vermelho.

Sua sinceridade inclusive surpreendeu os jornalistas. “Mostra a categoria de uma estrela internacional, ante a soberba de alguns outros, que se acham um Sinatra com apenas um disco no mercado”, apontou ‘La Vanguardia’.

Na oportunidade, Shakira dedicou o prêmio a seus pais e continuou: “Quero compartilhar esse momento com as pessoas mais importantes na minha vida, que são meus filhos, Sasha e Milan, que estão aqui, e Gerard, porque com vocês, tudo é mais feliz”.

Com seu um metro e 57cm, com seu cabelo pintado de loiro, penteado para o lado, um macacão preto e pouca maquiagem, como está hoje, bem longe das luzes e câmeras, termina inevitavelmente falando sobre maternidade. Para essa mulher, que segundo a ‘Forbes’, é uma das cantoras que ganham dinheiro e uma das mulheres mais influentes do planeta, ser mãe é seu assunto recorrente. Termina falando dele mesmo antes que se pergunte, por exemplo, de seu começo como cantora, agora que está a poucos dias de completar 40 anos (2 de fevereiro). Responde tranquila, suave, consagrada.

Quanto resta dessa Shakira que, em 1993, com apenas 16 anos, representou a Colômbia no Festival de Viña del Mar?

Já passou muito tempo e muitas coisas mudaram, seguramente porque eu mudei também, e não somente meu cabelo preto. Mas muitas coisas se conservaram também. Dentro de mim está a mesma garota sonhadora e sofrida.

Sofredora?

Bem, sou sofredora porque me fizeram assim. Assim saí de fábrica. Em minha ânsia por fazer as coisas bem, sempre se sofre. E agora que sou mãe, não posso dizer que sou uma mãe relaxada nem muito menos. O surpreendente é que agora, em meu trabalho, encontrei outra faceta minha, mais tranquila e serena. Os filhos de fazem reorganizar suas prioridades: o primeiro é o bem-estar deles e todo o resto é secundário, inclusive a boa música.

Mas ao mesmo tempo, essa atitude me ajuda a criar uma música que nos agrada, que torna feliz e que faz me sentir bem.

Sente que teu trabalho como mãe te distanciou da música?

Não gosto da palavra distância. Hoje sinto mais liberdade que nunca para fazer o que quero em estúdio e que o resultado agrade a mim, acima de todas as coisas.

Relaciona isso somente ao fato de ser mãe? Ou influenciam também os anos que leva nos palcos?

Pode ser um pouco de tudo, não? Mas o central é que isso de ser mãe é uma revolução espiritual, mental, intelectual e inclusive física, que faz reorganizar tuas prioridades. Então, quando você abaixa sua pressão a umas coisas e aumenta para outras, matematicamente tens uma equação diferente. E hoje ponho mais pressão a ser mãe. Estou mais preocupada de fazer bem como mãe e com menos pressão em fazer bem como artista. E talvez, o trabalho sai melhor quando se tem menos pressão.

Qual tem sido sua parte favorita da maternidade?

O que mais gosto em ser mãe é vê-los crescer, transformarem-se em pessoas. É um prazer acompanhá-los em sua aprendizagem deste mundo.

O que queres deixar a eles como legado?

A ideia de que podem transformar o mundo, ajudar a que seja melhor. Nisso, cada pessoa conta. Todos temos essa capacidade transformadora, essa capacidade de melhorar o mundo em que vivemos. Se eles estão conscientes disso, poderão fazer sua contribuição. Não quero que passem pela visa indiferentes aos problemas dos demais. Quero que sejam compassivos, que sejam boas pessoas, acima de qualquer coisa.

Ao falar sobre a infância de seus filhos, seu rosto se ilumina. A sua foi tão emocionante assim?

Minha família passou por uma crise econômica e financeira da qual não pôde se recuperar em anos, até que eu pudesse começar a ganhar meu próprio dinheiro. Mas quando isso estava acontecendo, meus pais quiseram me mostrar a realidade de outras crianças que estavam vivendo situações de vida muito mais difíceis. Me levaram a um parque em Barranquilla onde muitas crianças inalavam cola.

Eram crianças abandonadas à sua própria sorte, abandonadas pelo Estado e pela sociedade. Eu tinha uns 7 ou 8 anos e isso me mexeu por dentro. Me deixou marcada a tal ponto que nunca mais deixei de pensar nisso. Por isso adquiri, inconsciente e automaticamente, um compromisso que não posso abandonar e que segue sendo parte de minha vida (se refere à Fundação Pies Descalzos, criada quando tinha 18 anos, em 1996, pouco depois de editar ‘Pies Descalzos’, seu primeiro disco de impacto internacional. Isto a levou a ser nomeada embaixadora da boa vontade da Unicef e ser reconhecida como filantropa.)

Além de ver a realidade dessas crianças, o que mais lhe motivou a criar sua fundação?

Cresci na Colômbia, um país onde havia muita injustiça social, muita desigualdade, vendo crianças que não tinham acesso à proteção de seus direitos básicos. Eu queria fazer algo a respeito e, por isso, apenas tive a oportunidade, decidi criar uma fundação para a infância. Não é fácil trabalhar com crianças vítimas de violência, extremamente pobres. São crianças que agora estão caminhando para a universidade, muito deles, e seu destino seria outro se não intervíssemos. Um destino terrível, associado às gangues, aos grupos paramilitares ou guerrilheiros, e hoje estão longe dessa realidade. Caminham para serem cidadãos de bem.

Há uns dias, um de seus colégios, localizado no setor Eduardo Santos-La Playa, de Barranquilla, foi reconhecido como a instituição educativa que mais evoluiu na Colômbia em 2011, em uma evolução que incluiu colégios públicos e privados. É um sonho cumprido?

Para mim, isso é mais importante que um Grammy.

Em breve completará 40 anos. Está satisfeita?

Bem, me faltam apenas alguns dias! (risos). Se estou satisfeita com poder chegar aos meus 40 fazendo realizando muitíssimos dos meus sonhos. Aliás, a expectativa de vida aumentou tanto que agora aos 40, se é jovem. E não tenho nenhuma reflexão especial sobre isso ainda. Me deixa chegar aos 50 e aí avaliamos.

E como se projeta aos 60?

Uf! Se não me imagino aos 50, imagina aos 60! Como vai o mundo e como paquerador é Milan, é certo que terei netos. E suponho que seguirei me dedicando à música, porque não sei fazer outra coisa. Especialmente agora, que estou aproveitando muito mais que antes. Seguirei enquanto o corpo e o espírito me peçam y até que tenha coisas a dizer, porque quando não se tem nada mais nada a dizer, melhor me calar, não?

Matéria de Sofía Beauchat (EL MERCURIO (Chile) – GDA). Para ler a matéria original, clique aqui.

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