Como prometido o nosso site “Portal Shakira” disponibiliza para nossos usuários a matéria assinada por Shakira que foi publicada na última edição da famosa revista Newsweek. O artigo, no qual Shakira fala sobre como suas experiências durante a infância ajudaram a moldar seu lado humanitário e sobre seu trabalho com sua Fundação Pies Descalzos, pode ser conferido na íntegra e traduzido aqui.
Educação, a Música da Esperança
Geralmente, você não dá valor ao que tem até que o perca. Quando eu tinha sete anos, a joalheria de meu pai faliu. Eu não sabia o que a palavra “falir” significava, e quando meus pais me enviaram para ficar com amigos da família em Los Angeles enquanto eles discutiam a situação, eu deduzi que voltaria para casa, para a minha rotina normal.
Porém quando eu voltei tudo parecia ter mudado. Nossos dois carros, nos quais eu ia para a escola ou brincar com meus amigos haviam sumido. O ar condicionado que nos refrescava durante o brutal calor dos verões colombianos havia sido vendido. Nossa tv a cores havia sido trocada por uma de tela menor, em preto e branco. Comidas que eu adorava foram substituídas por alimentos rotineiros que uma mãe compra quando comida se torna sustento ao invés de algo a ser apreciado.
Fomos de classe média para pobres do dia para a noite e da minha perspectiva de criança de 7 anos, era difícil imaginar algo pior. Eu ainda me lembro claramente do desespero daquele momento.
Mas meus pais criaram maneiras de me fazer enxergar o quanto ainda éramos afortunados, especialmente pelo fato – desconhecido para mim até então – de que muitas famílias viviam em situações muito piores. Ainda mais claramente, eu me lembro de meu pai caminhando comigo em um parque, e observando as crianças que moravam por lá. Tínhamos a mesma idade e seus rostos não me pareciam diferentes do meu ou dos rostos de meus amigos e, mesmo assim, aquelas crianças não tinham nada. Eles viviam na sujeira, vestindo farrapos e com os pés descalços, revirando os lixos a procura de algo para comer. Muitos cheiravam cola, para amenizar a dor de sua existência. Apesar de nossa situação, meus pais queriam que eu soubesse que poderíamos estar muito pior. Naquele momento, prometi a mim mesma que se eu pudesse ajudar, eu ajudaria.
Meu primeiro grande disco teve o nome de ‘Pies Descalzos’ (pés descalços, em Português), e foi nomeado para aquelas crianças cujos rostos haviam sido marcados em minha memória. Eu esperava que, de alguma forma, eu estivesse dando voz a essas crianças, as quais ninguém parecia ouvir ou se importar. Eu tinha 18 anos, e assim que o disco foi lançado, criei uma fundação beneficente na Colômbia, para ajudar crianças como aquelas que havia visto 10 anos antes naquele parque, e muitas outras desde então. Esperava que, enquanto minha carreira e minha vida progredissem, eu pudesse ajudar as crianças mais necessitadas a sair da pobreza e progredir com suas próprias vidas.
Durante os 10 últimos anos, a fundação ‘Píes Descalzos’ tem ajudado milhares de crianças pobres na Colômbia. Com menos de 2 dólares por dia, as escolas que fundamos tem alimentado e nutrido nossas crianças, oferecendo uma educação de qualidade, aconselhamento profissional (para aqueles que passaram por tragédias e traumas) e uma chance de escaparem dos círculos da pobreza de onde vêm.
Então não pense que não é possível educar as crianças mais pobres do mundo. Fazemos isso todos os dias na Colômbia, um país que perde apenas para o Iraque em número de pessoas desabrigadas pelos horrores da guerra.
Agora estamos Levando nosso programa escolar para outras partes do mundo com o lançamento de uma organização não-governamental com base nos Estados Unidos chamada Barefoot (Pés Descalços, em Português).
72 milhões de crianças em todo o mundo não freqüentam a escola primária e outras 226 milhões não estão no ensino secundário. Além disso, centenas de milhões de crianças freqüentam algum tipo de escola, mas não têm acesso ao tipo de qualidade que pode gerar resultados reais.
Nós sabemos como resolver isso. Os governos devem abolir os impostos escolares, contratar mais professores qualificados e fornecer aos alunos livros e refeições nas escolas. Mais importante, eles têm que decidir que a pobreza de uma criança não é desculpa – que eles vão educar todas as crianças sem levar em consideração em que família ou lugar elas nasceram. E eles devem priorizar os fundos de educação.
A educação afeta todos os aspectos do desenvolvimento da economia e da estabilidade global. Pesquisas mostram que um único ano de educação primária aumenta de 10 a 20 por cento os rendimentos de uma mulher. A educação também previne contra doenças: uma mulher com educação secundária tem 3 vezes menos chances de contrair HIV. A educação leva até mesmo a políticas de agricultura mais eficiente e nutrição melhorada.
Não se trata de caridade — é do interesse pessoal de cada um. Nossas escolas colombianas servem primordialmente crianças que estão desabrigadas por décadas de conflitos. Muitas viram seus entes queridos morrerem e chegam às nossas escolas bravas e amarguradas. A educação dá a elas a razão para não se juntarem às forças paramilitares ou aos narcotraficantes que têm aterrorizado a Colômbia por tanto tempo.
Nós podemos ser a primeira geração a tornar a educação disponível a todos – fornecendo-a a todas as crianças em qualquer lugar, sem desculpas. Uma criança descalça que eu vi anos atrás num parque merece as mesmas oportunidades que qualquer outra criança.
*Shakira já vendeu cerca de 50 milhões de álbuns. Seu próximo trabalho está previsto para a próxima primavera.