“AS MULHERES já não choram, as mulheres faturam” se tornou o lema definitivo da carreira de Shakira. É o título do seu último álbum e também da sua futura turnê mundial, a maior em todos os sentidos que ela já preparou. Desde Miami, a artista aparece sorridente, de bom humor e entusiasmada com um novo single no qual celebra sua recente condição, solteira. “Tenho o direito de me comportar mal para me divertir”, adverte nesse tema afrobeat. “Agora posso fazer o que quiser, é ótimo ser solteira”, celebra nesta fase da sua vida pós-divórcio. Um processo que ela reconhece ser doloroso porque, às vezes, as mulheres choram e faturam ao mesmo tempo. E não tem problema.

O último álbum de Shakira retrata um processo de cura, ainda em andamento. Cada um dos seus passos promocionais pode equivaler a semanas de terapia. “Não foi fácil reconhecer toda a vulnerabilidade que estava sentindo no momento em que escrevi este álbum, e depois expô-la. Durante muitos meses após minha separação, estive em silêncio, tentando começar meu luto, mas realmente não consegui começar a fazer esse luto até que comecei a escrever música. Era a minha forma de curar. E continua sendo. O luto é um processo que não é linear. É cheio de picos e vales.” Assim, cada canção, cada single que se revelava ao público, era um pequeno exorcismo, desde que saiu “Te Felicito” até a famosa sessão com Bizarrap, passando por “Monotonia”. Nesse vídeo com Ozuna, vimos Shakira chorando em um supermercado, comendo chips aturdida, abandonando a bolsa no meio do caminho e buscando penosamente seu coração pelo chão. “Nesse vídeo, saio caminhando com um buraco no peito porque assim me sentia. Era minha sensação física. Depois, quando escrevi a Sessão 53 com Bizarrap, é quando comecei a me sentir leve. Eu disse: ‘Biza, sinto como se estivesse flutuando agora. Sinto que expeli um demônio’.”

Em cada canção do disco há um arquétipo que revela as emoções de Shakira, segundo suas próprias palavras. Ela implora ao ex como ele pôde se cansar de algo tão genuíno. Às vezes agradece pelo que viveram, outras vezes lhe reprocha seu narcisismo. Assim que diz que sua vida melhorou depois de deixá-lo, também confessa que vê-lo com outra a feriu. Aqui há mais verdade e “salseo” do que coube em uma temporada inteira de “Sálvame”.

Não é comum que um artista alcance tal nível de relevância em um duodécimo disco. Não é que Shakira tenha sobrevivido às comparações com Alanis dos anos 90; é que hoje em dia ela tem mais ouvintes mensais no Spotify do que Oasis e Nirvana juntos. A frescura é uma qualidade que, no mundo do pop, parece reservada à juventude, aos primeiros lançamentos antes que a indústria a corrompa. Quando os cantores chegam aos 40 ou 50 anos, geralmente estão se dedicando mais a se autorreferenciar, a tentar emular sucessos passados, a fazer turnês de grandes sucessos ou de 30 anos de algum disco marcante. O que sempre se chamou de “viver de rendimentos”. Não é o caso de Shakira, que conseguiu manter seus velhos seguidores, ao mesmo tempo em que conquistou outros novos. “Como se faz uma poção mágica? Com muita vontade, com muita paixão. Esse é o fator fundamental. Mas também é preciso abraçar a própria vulnerabilidade. Mostrar-se como realmente é. Sair à rua sem maquiagem, que é o mais parecido com escrever uma canção quando você se rasga de dor, e fazer isso sem pudor. Não é fácil.”

“Espanha, para mim, é um país que sempre será querido. Sempre o terei em meu coração.”

A autocrítica e o nível de exigência parecem fundamentais. De fato, sem que lhe perguntem, ela reconhece que alguns de seus famosos hits não lhe agradam tanto: “Tenho muito apego a canções que fiz no passado, outras talvez não sejam tão boas e o público lhes deu mais importância do que mereciam.” Quais?! “Isso não vou te dizer”, responde rápida e veloz, entre risadas, embora a autora de “La Tortura” reconheça que se autoflagela um pouco a respeito. “O que eu tento evitar é tirar uma foto de mim mesma, um autorretrato, e me apaixonar por ele como Narciso que se apaixonou pela própria imagem, foi se dar um beijo e se afogou no lago. Nunca estou realmente satisfeita com o que faço. E por isso busco, busco e busco, vou à procura do tempo perdido, como Proust.”

Shakira também parece ter feito de suas contradições sua virtude. Durante anos, exigiu-se aos artistas, especialmente às mulheres, desempenhar um papel concreto e determinado. Uma constante em sua carreira foram os debates sobre se a Shakira mais autêntica é a que conhecemos como cantautora de pop-rock com “Estoy Aquí”, ou a que nos fez dançar o “Waka Waka” na Copa do Mundo da África do Sul. Em 2024, por sorte, sabemos que não precisamos escolher. Entre suas canções mais ouvidas figuram indistintamente o reggaeton “Chantaje” com Maluma, a balada “Día de Enero” e “Antologia”, do seu primeiro disco internacional. “A Shakira de ‘Pies Descalzos’ é uma menina que sei que vive em mim. Uma menina que saiu com uma guitarra e umas calças de couro à procura de ser ouvida. Essa menina ainda está aqui. Eu recorro a ela em muitos momentos e ela me salva, me dá força quando preciso. Mas também existe a Loba, que é o arquétipo da mulher selvagem, de uma mulher que encontra uma nova liberdade, que ninguém pode amordaçar, amarrar de pés e mãos. Essa loba selvagem, essa mulher primária que pouco a pouco fui descobrindo em mim e que me deu muita força, muito poder… As duas coexistem em mim, e muitas outras. São múltiplas personalidades, mas são reais. Não são máscaras. Não são personagens. São genuínas e fazem parte de mim.”

Ao contrário de Beyoncé, que se desdobrou em Sasha Fierce, Shakira nos diz que pode ser várias mulheres distintas ao mesmo tempo. E ela também é assim na música. Vimos a artista transitar entre o rock e o reggae, entre o rap e o electropop, entre o inglês e o espanhol, entre Rihanna e Karol G, entre a música tradicional colombiana e a música tradicional mexicana. A zampona e o charango soavam em “Suerte”, enquanto outras de suas produções aparecem cobertas de Autotune. Até uma canção intitulada “Trap” ela tem.

O caminho para fazer com que tudo isso pareça credível e coerente foi longo. Os vídeos em que vemos Shakira se apresentando a um casting quando ainda era muito pequena são um tanto desconfortáveis. Com pouco mais de 10 anos, ela participa de um programa chamado “Vivan los Niños”, canta em espanhol músicas de Madonna como “Material Girl”, ou dança diante de um monte de homens intimidantes que avaliam se ela será a nova contratação da CBS. “Lembro disso como se fosse ontem. Na noite anterior a cantar para aqueles executivos, um parente me disse que me conectaria com um cantor profissional para que, antes de me envolver com isso, eu soubesse como era o caso. Ele disse que era muito difícil: ‘não recomendo’. Na noite anterior de ir à CBS para assinar com o que seria a Sony Music, passei chorando.”

Um trauma que um artista pode carregar por toda a vida: “Eu ainda sinto que estou fazendo audições. Com cada canção, com cada vídeo. É a insegurança eterna do artista. É a paradoxa de ter certa confiança para se enfrentar a um público de mil pés e uma cabeça só, a esse ciclope gigante que é a audiência. É preciso ter coragem. Mas também vulnerabilidade. Eu ainda me sinto assim. Às vezes vulnerável, como aquela menina que ia com certo temor para ser ouvida por executivos de mãos dadas com sua mãe. Às vezes, muito corajosa. Eu tinha 12 ou 13 anos e realmente queria mostrar ao mundo, não sei o quê, mas algo, com certeza, e estava obcecada, obstinada. Essa obstinação foi meu salva-vidas.”

Shakira escreveu com 13 anos sua primeira canção de amor chamada “Magia”, para um álbum que também se chamou assim. Falava de querer até morrer. Considerando a grande canção de desamor de seu novo álbum, “Última”, um tema de despedida em que ela se obriga a aprender a estar sozinha, como sua visão do amor pode ter mudado ao longo desses anos? “Não é a mesma [pensa por muito tempo]. O amor de casal me decepcionou. Afetou minha idiossincrasia. É irremediável, por enquanto, que eu tenha perdido a confiança no outro. O processo de cura é longo. Vai levar vários álbuns!”, brinca entre risadas. “É mentira que com ‘Última’ vou encerrar um ciclo. Pode ser que o amor romântico não tenha sido o que eu esperava. Não quero que meus filhos pensem que o amor é a única forma de felicidade. Queria que eles encontrassem o que eu não encontrei: a liberdade que traz o amor, sim, mas também a solidão. Estar bem consigo mesmo. E não depender de um outro para se sentir pleno. Essa é a mensagem que eu gostaria de passar para eles.”

“O amor de casal é um VIP onde não entra todo mundo, e não me tocou a mim”

O divórcio de Shakira e do futebolista Gerard Piqué foi um assunto público que transcendeu a imprensa cor-de-rosa para dominar as redes sociais, debates esportivos e conversas na fila da padaria. Não houve quem não comentasse sobre questões como infidelidade ou sororidade. Ambos prometeram um futuro feliz no início, quando frequentavam todo tipo de eventos sociais, tiveram dois filhos loiros como anjos e se amavam tanto que ele ia buscá-la no aeroporto sem necessidade. Com o passar dos anos, a situação se complicou. A rotina, as traições e a decepção vieram. Shakira acabou pendurando uma bruxa em sua varanda apontando para a casa da sogra e fazendo uma “peineta” disfarçadamente para Piqué, durante um jogo de seus filhos, em uma imagem que daria a volta ao mundo. De tudo isso surgiu um hit mundial, como que vomitado, que rimava de forma totalmente improvável “me deixaste de vizinha a sogra” com “dívida na Hacienda”.

O conflito disputado durante anos com a administração pública (pelo qual a cantora concordou em pagar 7,3 milhões de euros) poderia ter deixado definitivamente um gosto amargo em sua relação com a Espanha. Shakira viveu durante anos em Barcelona, gravou vídeos como “Rabiosa” na cidade e até foi número um em todo o país com uma canção em catalão, “Boig per tu”, que homenageou ao mesmo tempo seu parceiro e seus próprios antepassados de Girona. O segundo sobrenome de Shakira é Ripoll. Mas a cantora nega ter más lembranças do nosso país. “Não”, responde de forma categórica. “A Espanha para mim é um país que sempre será querido. Sempre a terei em meu coração. Meu público espanhol me deu e continua me dando tanto que essa relação é inquebrantável. Estou com muitas saudades de cantar em Barcelona, essa cidade onde nasceram meus filhos e que tanto me deu. De voltar a Madrid para reencontrar meu público espanhol. Será especial e inesquecível.”

Agora nos Estados Unidos, Shakira se apoia muito em seus amigos: “Percebi que a amizade é mais longa que o amor. Eu não sabia que era assim. A vida me tirou um marido, mas me deu tantos amigos… Nunca me senti tão amada, tão querida, como por meus amigos. Algo eu devo ter feito bem na vida para ter tanta gente que me quer. Também houve pessoas que me traíram, deram as costas, me destruíram por dentro. Gente que no momento em que mais precisei não esteve. Mas por cada um que não esteve, há cinco que estavam. Percebi que essas amizades que estão aí há 20 anos, ou até outras mais novas, à prova de balas, são uma recompensa da vida. Quando há tanta dor, Deus aperta, mas não afoga.”

Um desses amigos que não foram a lugar nenhum ao longo das décadas é Luis Fernando Ochoa. Ele escreveu com ela “Pies Descalzos”, e depois voltaram a trabalhar em hits como “Las de la Intuición”, canções perdidas que merecem tanto quanto “Amarillo” ou, no último álbum, a faixa feita junto a seus filhos, “Acrostico”. “[Luis Fernando] é uma pessoa com a qual sempre que me junto acontece algo mágico. Ele tem uma conversa muito estimulante para mim intelectualmente. Seu intelecto, sua visão da vida, seu senso de humor são nutrição para mim. Eu o conheço desde os 17 anos, fizemos “Pies Descalzos” ficando até às três ou quatro da manhã no estúdio todas as noites. Foi o álbum a partir do qual senti os fundamentos da minha carreira como artista. Ele sempre esteve ao meu lado como um irmão. Não em todos os discos. Eu também saí para buscar, explorar, fazer o meu. Mas com ele sempre acontecem coisas muito especiais.”

Quando perguntam a Shakira de quais obras está mais orgulhosa como produtora, ela cita igualmente, além de seu último trabalho, algo obrigatório em toda conversa com qualquer artista, o primeiro que alcançou fama internacional. Ela não fala de “Fijación Oral, vol. 1”, pelo que teve de pioneiro como reggaeton, a “La Tortura” com Alejandro Sanz em 2005. Não de “Oral Fixation, vol. 2”, quando em seu selo nem confiaram em “Hips Don’t Lie”. Mas do primeiro que conhecemos na Espanha. “Estou muito orgulhosa de ‘Pies Descalzos’, meu primeiro álbum como cantautora, no qual fui o mais sincera possível. Vai completar 30 anos e ainda há canções ali que permanecem no coração de muita gente, apesar do passar do tempo. Tem sido a trilha sonora dos meus fãs, que me acompanham desde então. Tenho um carinho especial. Mas em ‘Las Mujeres Ya No Lloran’ encontrei minha própria força, me ajudou a curar, e musicalmente é um dos melhores que consegui. Estou muito orgulhosa da parte sônica, de sua simplicidade. Cada vez entendo mais a beleza do minimalismo. É difícil encontrá-lo, é difícil para um artista que pode se deixar levar pelas muitas ideias que possa ter. Forçar-se a ser minimalista é um exercício importante. Esse disco tem um pouco disso e me agrada muito.”

“Acrostico” é precisamente uma dessas canções minimalistas. Uma faixa ao piano na qual aparecem Milan e Sasha, suas verdadeiras obsessões hoje em dia, até mesmo acima da música: “Sou uma mãe absolutamente dedicada aos meus filhos. Entro em um quarto, os vejo e já leio em sua linguagem corporal se estão tristes, contentes ou amargurados. Se foi bem na escola. Às vezes tenho a sensação de que algo não vai bem, os chamo e resulta que algo não estava bem. Tenho uma conexão com eles que domina minha vida absolutamente e tudo o que faço. Agora estamos conversando e estou pensando em meus filhos. Não saem da minha cabeça nem por um momento. Isso consome uma quantidade de energia… A mesma paixão que dedico à minha carreira, ou mais, dedico a meus filhos, à sua integridade, ao seu desenvolvimento. Sou uma mãe que sofre, sofro por absolutamente tudo o que lhes acontece. Levo muito a sério essa tarefa de ser mãe: tentar que haja duas pessoas decentes a mais neste mundo, e que espero que sejam meus filhos.”

Eles parecem agora o único romance de sua vida, pois como mostraram suas próprias letras ultimamente, “o amor lhe pegou fobia”. Shakira passou a citar filmes natalinos e familiares como seus favoritos, a se ver incapaz de emular o amor de seus pais: “Não posso dizer que sou uma cética absoluta porque meus pais são a maior demonstração de que há amor de casal. Um amor eterno que supera qualquer obstáculo ou dificuldade. Eles têm 50 anos juntos. Você ainda os vê, vê minha mãe como olha para meu pai, como se ele fosse o último homem do planeta. E ele para ela. Eles são como namorados. Meu pai tem 93 anos, e veja que ele não deve ter cometido erros. Mas ele tem esse amor que suporta tudo. Existe, mas para um grupo seleto de pessoas. É um VIP onde não entra todo mundo. Entram alguns poucos e têm a sorte de estar dentro. Não me tocou a mim, mas me tocaram bons amigos”, insiste.

Atualmente, Shakira finaliza os preparativos para uma turnê que, segundo seus próprios padrões, deve superar o impacto do Super Bowl. Seu intervalo ao lado de Jennifer Lopez, no qual a vimos tocar bateria, replicar gestos típicos dos carnavais da Colômbia, interpretar um pot-pourri de vários hits e coreografias, acabou se tornando o mais visto da história no YouTube, com mais de 300 milhões de visualizações. “Foi um esforço colossal: três ou quatro meses dedicados exclusivamente a isso. Tínhamos apenas 7 minutos e eu queria fazer uma viagem pela minha música naquele pouco tempo. Investiguei muito no estúdio como fundir uma canção com outra sem que parecesse um remendo. Queria que fosse orgânico, que fosse uma viagem por todos esses períodos artísticos. Foram meses de trabalho, primeiro arranjando a música e depois já concebendo a apresentação. E depois semanas e semanas de ensaio e nervos. No final, consegui fazer um bom percurso. Não o que eu gostaria se me der 2 horas, mas também o público ia ver o futebol, não é?”, ri.

E ainda assim, isso é um continua e soma, pois sua próxima turnê, cujas datas já foram anunciadas nos Estados Unidos e na América Latina, promete ser maior. Em outra de suas adoráveis contradições, para a turnê não vai se conter em minimalismos: “É a turnê mais ambiciosa de toda a minha carreira, a produção mais grandiosa que tive até agora. Não porque o público peça, mas porque eu mereço isso depois de tantos anos trabalhando neste mundo. Eu mereço a turnê da minha vida. Estou jogando a casa pela janela. Estou feliz porque poderei fazer uma viagem pelas diferentes etapas da minha vida artística, até hoje. Será o show mais longo que já fiz, com a tela mais grande e tudo o mais grande que você possa imaginar. Mais é mais e melhor!”

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