“Chega de divas mal saídas da adolescência. Quem domina a parada, agora, são as calipígias Beyoncé, Fergie e Shakira”
Fergie, a desinibida do hip hop: artista mais madura, no controle da própria carreira e com todas as polegadas nos lugares certos
Até não muito tempo atrás, o mercado pop vinha rodando à base de um combustível que, sabe-se agora, era do tipo não-renovável: artistas recém-saídas da adolescência, com certo talento para o canto e o rebolado, sensualidade ressaltada e uma submissão dócil às táticas de seus marqueteiros.
Foi o período em que Britney Spears, Christina Aguilera e Lindsay Lohan dominaram as paradas de sucesso.
Britney e Lindsay, porém, parecem ter trocado definitivamente as páginas de música pela seção de polícia, enquanto Christina se desinteressou de sua existência anterior e acabou por se revelar uma boa intérprete (o milagre pode ser verificado em Possibilities, DVD do jazzista Herbie Hancock). Em substituição a elas, tem-se agora uma nova modalidade de diva – uma modalidade mais feminina, versátil e, acima de tudo, mais madura, na certidão de nascimento e na persona artística.
Está-se, agora, na era da tríade formada por Fergie, Beyoncé e Shakira, que acrescentaram ao cenário pop algumas polegadas (na região calipígia, novo fascínio dos americanos), vozes mais cheias, um bocado de personalidade, excelentes vendas (em especial entre os adolescentes, sempre a fatia mais cobiçada e também mais volúvel do público) e uma certeza: os fãs não terão de acompanhar, ao vivo e em tempo real, suas dores de crescimento, já que essas foram resolvidas longe dos holofotes.
O caso mais curioso do trio é o de Fergie, nome artístico de Stacy Ann Ferguson. Nascida em Los Angeles, numa área cheia de rappers mal-encarados, e ex-atriz mirim (ela dublou um personagem em filmes do Charlie Brown), ela estreou como cantora com o Wild Orchid, uma banda de pop ruinzinho, cuja carreira não foi ajudada pelo fato de, à época, sua vocalista ser dependente de drogas pesadas. Quatro anos atrás, Fergie se reinventou. Deu um basta no abuso de substâncias e se juntou ao grupo de hip hop Black Eyed Peas. O resultado foi uma reação química extraordinária. Isoladamente, nem Fergie nem os Black Eyed Peas usufruíam grande prestígio. Combinados, melhoraram-se mutuamente e saltaram para a linha de frente do hip hop.
Fergie, ao vivo, é uma potência, capaz tanto de emular divas do soul quanto de posar de marota – como na vulgar, mas ainda assim deliciosa, My Humps (Meu Lombo, em português). Era inevitável, portanto, que ela crescesse mais do que sua banda. No ano passado, The Dutchess, seu primeiro trabalho-solo, rendeu três hits nas rádios – Fergalicious, London Bridge e a balada Big Girls Don’t Cry – e vendeu 2 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos. (No Brasil, o CD bateu em 30.000 cópias, marca respeitável num mercado assolado por pirataria e downloads ilegais.) As únicas outras cantoras capazes de ameçar a liderança de Fergie nas paradas, hoje, são as também bootylicious (palavra tomada de um velho hit de Beyoncé, que descreve as moças com centímetros magnificamente distribuídos abaixo da linha da cintura)Beyoncé e Shakira. Não por acaso, a diva do R&B e a colombiana decidiram unir forças, interpretando juntas Beautiful Liar, um sucesso de sonoridade oriental que vem sendo divulgado por meio de um clipe estonteante.
O que esse confronto amigável mostra, porém, é que – ao contrário da “geração” anterior de cantoras – as líderes do momento não são três vezes a mesma coisa. Fergie é a mais cheia de balanço, sempre com um pé no rap e outro no funk eletrônico. A texana Beyoncé, treinada para ser famosa desde os 9 anos, quando formou o trio Destiny’s Child, sobressai pela voz cristalina, pelo bom gosto para o repertório e pelo dom para tornar tudo que a envolva uma megaprodução. Shakira, nascida em Barranquilla, de uma família de imigrantes árabes, é a mais versátil e experimentada das três. Quando se mudou para os Estados Unidos, no fim dos anos 90, já era um ícone sul-americano. Talentosa e aplicada, conseguiu se tornar um sucesso também em inglês, desde que lançou o disco Laundry Service, em 2001. Hoje, ela mima seus dois públicos, o que prefere ouvi-la em espanhol e o que só a entende em inglês. Dois anos atrás, por exemplo, lançou Fijación Oral e Oral Fixation, dois discos de repertório praticamente idêntico, mas que contemplavam as particularidades lingüísticas e rítmicas desses grupos distintos.
O que realmente distingue esse trio de divas da leva que as antecedeu, porém, é que elas têm de sobra aquilo que falta a Britney, Lindsay e congêneres – não, não só talento digno do nome, como bom humor e espírito esportivo. No ano passado, por exemplo, a cantora canadense Alanis Morissette, que adora ser xarope, fez uma paródia do clipe de My Humps, a fim de mostrar como a canção era degradante para o público feminino. Fergie não se abalou. Mandou para Alanis um bolo em formato de ancas femininas e um cartão, agradecendo a homenagem. Aliás, merecida.