Pies Descalzos: Luis Ochoa fala sobre o processo de criação com Shakira

Pies Descalzos: Luis Ochoa fala sobre o processo de criação com Shakira

Em 1995, Shakira dava seus primeiros passos como cantora e compositora, porém já mostrava ao mundo que seu talento poderia ultrapassar qualquer fronteira. No dia 6 de outubro, o álbum Pies Descalzos completou 25 anos e diversos meios fizeram matérias especiais.

Leia também:

25 anos de Pies Descalzos, “entre fotos y cuadernos, entre cosas y recuerdos”

Shakira lança produtos em comemoração aos 25 anos de Pies Descalzos

O jornal El Heraldo, realizou uma entrevista incrível com Luis Fernando Ochoa, produtor e compositor que é o companheiro de longa data da Shakira. Nela descobrimos os bastidores de todas as canções do álbum.

O Portal Shakira trouxe a reportagem com tradução livre. Confira abaixo:

Em 1995, Shakira Isabel Mebarak Ripoll teve a determinação de gritar para o mundo “Estou aqui”. Hoje, entre fotos e cadernos, coisas e memórias, seu álbum Pies Descalzos é lembrado como a materialização daquele grande sonho de ser ouvida na Colômbia e no mundo, de ser autêntica. Com os pés descalços, ela conseguiu ser levada a sério em um mundo em que durante anos lhe disseram “não” e muitas portas foram fechadas.

Com este álbum, Shakira não precisava se encaixar. Enquanto na Colômbia seus álbuns anteriores, Magia (1991) e Peligro (1993), mal conseguiram vender cerca de 1.000 cópias cada, com seu terceiro projeto, não só seu país se rendeu a seus pés, mas os demais o fizeram um a um. Países da América Latina, Espanha, Alemanha e o mercado hispânico dos Estados Unidos, onde conseguiu estar no topo das listas de popularidade.

“Depois de dois álbuns, com este me sinto realmente autêntico, é a música que sempre quis fazer, as coisas que queria dizer. Foi algo como tirar os sapatos e sentir a terra e o mundo novamente pelos pés. É como sinônimo de nudez ”, foram as palavras que Shakira usou para descrever esse trabalho gravado na Argentina, em 1996, no programa de televisão Crónica Musical.

Com o sucesso de Pies Descalzos e tudo que se seguiu, Shakira não só conseguiu brilhar com sua própria luz no firmamento das estrelas da música em todo o mundo, mas também fez todos os Barranquilleros acreditarem que não importa quão grandes sejam os sonhos nem os obstáculos que surgem em nosso caminho, se você trabalhar muito, tudo é possível.

Shakira – Pies Descalzos em Vinil

Em suas letras, a estrela em ascensão de 19 anos falou de questões pelas quais os artistas pop raramente tomavam partido publicamente em meados da década de 1990. Política, aborto, até mesmo uma crítica aberta a alguns dos comportamentos transmitidos por uma sociedade machista que indicava o casamento antes dos 30 anos ou a maneira “adequada” como uma jovem deve agir, faziam parte de suas letras. Isso, sem deixar de lado as baladas com profundas declarações de amor e desgosto.

Neste álbum a jovem artista teve um cúmplice. Uma musicista e produtor que aos 25 anos, como ela, procurava um veículo que lhe permitisse expressar toda a sua criatividade e colocar em prática a sua experiência com bandas de rock: Luis Fernando Ochoa.

Shakira e ‘Luis Fer’, como dizem no meio, se conheceram em 1994 enquanto trabalhavam em ¿Dónde estás corazón?, em Bogotá, um processo que ela descreveu como “simples, divertido e criativo”. A música fazia parte de uma compilação de artistas colombianos lançada pela Sony Music no final daquele ano chamada Nuestro rock Vol. 2. A química entre os dois foi imediata.

Seis meses depois, ele se tornaria o produtor do primeiro disco internacional da Barranquillera e estaria presente em cada um dos discos que viriam depois. Além disso, recentemente trabalharam juntos em algumas das canções mais próximas ao coração da cantora e compositora, como 23, de seu álbum Shakira (2014) e Amarillo do El Dorado (2017), ambas inspiradas em Gerard Piqué, pai dos filhos dela, Milan e Sasha.

Luis Fernando Ochoa não costuma dar entrevistas. Ele acredita fielmente que “o que está feito está feito e acabou”. Realmente, diz ele, não gosta de “revisionismo”, porém, o multipremiado produtor aceitou o convite de EL HERALDO para comemorar seu trabalho com Shakira em Pies Descalzos, que comemora as bodas de prata nesta terça-feira.

EH: Como você se lembra da experiência de criar ‘Pies Descalzos’?

No começo não era algo muito diferente, era o que eu normalmente fazia, ou seja, escrever músicas e produzi-las. O que era diferente, talvez, era que Shakira era uma pessoa mais jovem e muito talentosa. Recentemente, naquela época, mulheres como Alanis Morissette começaram a ganhar notoriedade ao derramarem no Rock como reação. Houve aquela onda musical na época. Essas duas coisas me forçaram a me relacionar com o projeto de uma forma diferente, ou seja, que não era o grupo tradicional de meninos casuais pulando no estúdio. – Luis Ochoa

EH: ¿Dónde estás corazón? marca o primeiro encontro entre Luis Fernando Ochoa e Shakira, antes mesmo de pensar na possibilidade de gravar um álbum completo. Como eles se conheceram?


A Sony me chamou para fazer quatro canções que faltavam para uma compilação que seria lançada no final do ano e sugeriram que eu trabalhasse em uma dessas canções com um artista que eles haviam assinado três anos atrás. Poucos dias depois, em meu estúdio em Bogotá, encontrei-me com ela para conhecê-la e ver se tínhamos química. Uma menina bonita, com um sorriso largo e muita energia. Shakira e eu começamos a conversar enquanto eu tocava seu violão. Ele achou os acordes que mostrei muito lindos e conversamos sobre bandas influentes como The Pretenders e U2. Já entrei na matéria toquei a sequência com que começa ¿Dónde estás corazón?. Dei-lhe a primeira linha e ela com grande facilidade, imediatamente, começou a cantar “Entre a terra e o céu, o meu céu e eu não te encontrei…”. Acho que fizemos isso em um ponto, ficamos mais algumas horas até que eles viessem buscá-la e combinamos de nos ver novamente no dia seguinte. Disse a ela para terminar a letra e que a gravaríamos alguns dias depois. Naquela noite, fiz algumas demos para encontrar o melhor som. Quando ela voltou, colocamos um microfone e eu disse a ela que íamos fazer alguns takes do guia, muitos deles deixados na edição final e que ainda podem ser ouvidos no álbum. Lembro que fizemos vários, todos muito bons e assim encerramos a sessão. Uma semana depois, trabalharíamos na primeira mixagem que eu não tinha certeza se tinha gostado. Tentamos em outro lugar e lá permaneceu. No final, sinto que ambos ficamos muito impressionados com o que fomos capazes de fazer em pouco tempo.– Luis Ochoa


EH: Shakira lançou ‘Magia’ e ‘Peligro’, dois álbuns com os quais não aconteceu muita coisa. Ela veio, talvez, de algumas decepções, mas realmente querendo continuar tentando com um terceiro LP. Como você recebe este projeto?


O projeto não me foi confiado nesse cenário, mas entendo que os discos que fiz até agora eram discos de baladas. O que eu vi foi que Shakira foi muito criativa e aprovou a direção que estávamos tomando enquanto trabalhávamos nas músicas. Também vi nela um grande apetite por se envolver mais nos processos de gravação mais rústicos, típicos de um estúdio mais pop / rock. O álbum Jagged Little Pill, de Alanis Morissette, soava muito naquela época e me dei conta de que ela também viera de fazer alguns discos de baladas, e que neste, o terceiro – já com Glenn Ballard, que já havia trabalhado com Michael Jackson, Pointer Sisters e Paula Abdul, entre outros – se reinventa em uma direção completamente diferente de seus trabalhos anteriores. Então não acho que Shakira ficaria sobrecarregada de decepção, acho que ela estava pronta. Ela me inspirou e acho que a mesma coisa aconteceu com ela. Estávamos constantemente em uma procissão musical tentando manter elevando as canções que estávamos fazendo. – Luis Ochoa

EH: Existe uma anedota particular desse processo de alguma das canções?


Lembro que Estoy aquí foi delineada muito cedo como a música com a qual íamos dar continuidade a ¿Dónde estás corazón?. As gravações de guitarra e voz para Antología foram sessões muito especiais, carregadas de emoção, houve uma certa melancolia com as emoções que o processo evocou. Lembro que conversamos muito sobre Fleetwood Mac e a música Sarah foi muito útil como inspiração para essa música. Quando Shakira escreveu as letras, realmente saiu “redonda”. Me abalou muito fazer isso.

O outro de que me lembro é super lado B e se chama Pienso en ti. É uma música muito simples, que permite uma pausa dentro do álbum. Em outros álbuns repetimos, em ¿Dónde están los ladrones?, Sombra de ti e Que me quedes tú, em Servicio de Lavandería.– Luis Ochoa

EH: A linha rítmica que Shakira alcança em ¿Dónde estás corazón?, ‘Estoy Aqui’ e depois em ‘No Creo’, com rimas rápidas, dá a essas músicas uma identidade, como chegaram a isso?


Esse é a genialidade de Shakira, o que também é muito natural para ela. Esses jogos de palavras rítmicas que ela sabe fazer, acho que ela faz desde muito jovem e tem toda uma especialização no assunto. A primeira vez que ele fez qualquer um desses, ficamos surpresos com o quão alegre e versátil soou. Acho que vendo o sucesso que eles tiveram,¿Dónde estás corazón? e Estoy Aqui inevitavelmente aquelas rimas viraram marca. Ela é muito curiosa. Lembro que enquanto fazíamos Pies Descalzos, também estava trabalhando no álbum de um artista de San Andrés chamado Howard Glasford e como produtor gosto de usar todos os recursos que tenho à minha disposição. Ele estava saindo às 16h00. do estúdio e Shakira chegaria às 17:00, então pedi a ele para ficar e se juntar a mim na sessão com ela por um tempo, mas sem dizer nada. Shakira veio e eu disse a ela que ele poderia fazer algo muito legal, ela teve a ideia e eu pedi a Howard para fazer um raggamuffin (subgênero de dancehall), no qual ele era um especialista. Ela estava curiosa para saber como isso soaria na voz de uma mulher e trabalhamos em Un Poco de Amor.– Luis Ochoa

EH: Antología se tornou um hino, no encerramento do El Dorado World Tour em Bogotá em 2018, Shakira chorou ao ver as pessoas cantando com ela. A que você atribui o sucesso dessa música?


A Antologia como música é lenta, sincera e insistente, o círculo harmônico da música muda apenas duas vezes por alguns instantes, sendo o mesmo tantas vezes que acaba criando uma paisagem onde Shakira sobe melodicamente até concluir com “lo que es amar”. A letra da música é totalmente linda e sua paisagem melódica é um pouco surreal porque a música não resolve, é uma questão em aberto. Eu vi em seus shows que a Antologia é um momento realmente especial. – Luis Ochoa

EH: Se quiere… se mata era muito controverso na época, porque fala sobre o aborto. Você se lembra por que foi importante abordar esse problema no álbum?

Essa música não foi das primeiras, acho que chegou ao fim. Naquela época, estávamos usando mais a cabeça do que reflexos. Shakira veio um dia ao estúdio com seu caderno e me mostrou a letra, peguei o violão e fizemos uma faixa para ele.– Luis Ochoa

EH: Te espero sentada é uma das canções musicalmente mais ricas do álbum


Essa música me deu dificuldade porque saímos da paleta das outras músicas, essa e Te Necesito. Hoje eu acho que é uma das músicas mais originais do álbum. É uma composição antiga da Shakira, não me lembro bem se a complementei com música em: “viver a vida sem ti é como morrer …”, mas ela já a tinha desenvolvido ao ritmo do suingue. Lembro que foi uma música que me custou muito, na verdade eu queria tirar do álbum, mas no final aprendi a entender. Ela realmente a queria como parte do Pies Descalzos. – Luis Ochoa


EH: Você se lembra de quantas músicas foram feitas para o álbum e como foi o processo de escolha da lista final?


Fizemos o álbum inteiro e talvez houvesse mais alguns riffs de guitarra sobrando, mas são pedaços, pequenos pedaços que nunca terminamos. Essas estavam indo para a linha eletrônica, em uma direção muito diferente da que já tínhamos. A ordem das músicas foi muito importante, pois minha intenção sempre foi que o álbum fosse ouvido na íntegra, como era feito antes. -Luis Ochoa


EH:A que você atribui a conexão musical que tem com Shakira?


Empatia, talvez? Nasci em New Orleans e minha família se mudou para a Colômbia quando eu tinha 17 anos. Para mim foi uma grande mudança, tocava violão e escrevia sem uniformidade. Agora eu acho que sempre houve a necessidade de uma conexão musical diferente do que havia localmente e Shak era exatamente isso. Shakira, por sua vez, tinha 16 ou 18 anos e também procurava um veículo para suas ideias. Artisticamente somos muito compatíveis. Lembro-me da primeira vez que mostrei a ela os acordes da Vuelve, ela olhou para mim e disse “Sou eu!”, Então quando tudo flui assim, é melhor não questionar. – Luis Ochoa

EH: Há muitas pessoas que, mesmo nas redes sociais, pedem que Shakira volte à música que ela fez em ‘Pies Descalzos’ e ¿Dónde están los ladrones?.


Isso já foi seu momento; No entanto, existem alguns motivos genuínos para querer voltar a essas canções, mas tem que trazer uma outra perspectiva que a reavalie, 25 anos depois há outra maturidade.– Luis Ochoa


EH: Parece que Shakira confiou a ela ao longo de sua carreira algumas das canções mais pessoais de seu repertório, como ’23’ de seu álbum autointitulado e ‘Amarillo’ de ‘El Dorado’, para citar alguns, a que se deve isso?


Várias coisas nos conectam. Temos enorme empatia musical, além de comunicação rápida. Eu confio muito no instinto musical dela e acho que ela no meu. São também 25 anos de amizade e fidelidade à nossa música. – Luis Ochoa


EH: 25 anos depois, qual é a sua reflexão sobre esse trabalho específico com Shakira?


Pies Descalzos é um álbum que se impôs a todos nós e às gerações do momento. Pessoalmente, ele marca o início de algo que durou uma vida inteira. Além disso, uma grande amizade. Quando você faz algo sem restrições e sem ter que atender às expectativas dos outros, apenas com o que você considera, acaba criando um fenômeno original que o acompanha por mais tempo. Você sempre vai mais longe quando se trata bem. – Luis Ochoa

Leia a entrevista original, em espanhol, clique aqui

Você Pode Gostar!

Mais do autor