É uma noite quente e abafada nas Bahamas e nos fundos de um estúdio de gravação perto de sua casa em um condomínio exclusiva, Shakira, a pop star latina da dança do ventre, está retirando o papel laminado que cobre uma costela bovina numa velocidade quase indecente.
“Finalmente!”, ela exclama em seu inglês com sotaque hispânico, virando os olhos para mostrar que sabe que divas não devem comer nunca, muito menos roer costelas avidamente. “Só posso comer carne uma vez por semana e hoje é dia de carne, então estou feliz. É a dieta que estou fazendo, é muito cruel. Só peixe e vegetais”. Mas então sua expressão muda: “Mas você não está comendo!” “Isso me faz me sentir mal. Talvez eu deva comer depois. E precisamos ligar o ar condicionado, você está derretendo! Eu não, eu sou um mosquito, adoro umidade, não suo.”
Essas palavras resumem o fenômeno que canta, mexe o traseiro e acaba com a pobreza que é Shakira Mebarak Ripoll, que tem 32 anos de idade e é a quarta mulher mais rica da música – depois de Madonna, Barbra Streisand e Céline Dion – com uma fortuna estimada em 38 milhões de dólares.
Em primeiro lugar, ela é extremamente disciplinada “Você quer ser magra e ter um corpo legal? Tem que malhar todos os dias e dizer não a certos tipos de comida”, ela diz, encolhendo os ombros, quando me compadeço de sua dieta. “Não dá pra conquistar nada na vida sem uma pequena quantidade de sacrifício”. Em segundo lugar, ela é simpática e atenciosa – uma coisa rara em círculos de superstars.
Em terceiro, o fato, nessas temperaturas tropicais, nem uma gota de suor estragar sua perfeita sombracelha, o que indica que ela é, provavelmente, super humana.
Nunca fui muito bem disposta com relação a Shakira. Já que ela era famosa em sua terra natal, a Colômbia, desde os treze anos, a rejeitei do posto de Britney Spears da América do sul com um umbigo super-exposto e uma queda por letras ridículas (‘Sorte que meus peitos são pequenos, então você não os funde com montanhas’, dizia seu primeiro hit internacional, Whenever Wherever)
Mas o meu ponto de vista era minoria
Com 40 milhões de cópias vendidas nas costas, Shakira faz outras transições entre o mercado hispano e o americano, como as de Jennifer Lopez e Enrique Iglesias, parecerem insignificantes. Na América latina ela é vista como uma Madre Teresa graças à sua Fundação Pies Descalzos, que fundou aos 19 anos e que abriu seis escolas em áreas rurais, dando educação e emprego para mais de 30 mil pessoas ao longo dos anos. Enquanto isso, sua relação casa-não-casa com Antonio de La Rúa, filho de um ex-presidente da Argentina, é assunto recorrente nas revistas de fofocas latinas.
Entre seus amigos está – inevitavelmente – Bono, com quem cantou na posse do presidente Obama, sendo ambos os únicos não americanos no evento. Ela já discutiu a pobreza infantil com Gordon Brown (‘Gosto do sotaque dele’, ela diz, rindo) e com o literário Gabriel García Márquez, de 82 anos, que já escreveu ensaios ambíguos sobre sua “sensualidade inocente”. Já no aperto de mãos, também sou tomada pelo charme de Shakira. Pequena (ela mede um metro e 48cm), vestindo jeans cortados e uma camiseta, parece que sua maior preocupação é que cor pintar suas unhas dos pés, mas conforme ela começa a falar fica claro que aqueles cachos loiros guardam uma mente de aço. Como alguém cuja vida foi quase toda vivida em publico (ela fez sua primeira performance de dança do ventre aos quatro), ela deveria ter problemas mentais, mas, pelo contrário, é extremamente pés do chão.
Normalmente, estrelas precoce são vítimas de pais pegajosos, mas pelo modo como Shakira fala, ela sempre esteve no comando. Filha única de um joalheiro libanês (com 8 filhos de seu primeiro casamento) e sua segunda esposa colombiana, ela nasceu em Barranquilla, uma cidade industrial da costa caribenha da Colômbia. Guerras civis e o tráfico de drogas estavam dividindo seu país ao meio, mas tiveram pouco efeito na infância de classe média. “Eu era muito a menininha da mamãe – ainda sou. Com relação ao meu pai, bom, tenho um complexo de Édipo no qual ainda estou trabalhando. Amo aquele cara!”
Mas aos oito anos, seu mundo cor-de-rosa implodiu quando os negócios de seu pai foram à falência. “Ele me mandou com minha mãe para ficar com uns parentes em Los Angeles para que ele pudesse resolver as coisas e quando voltamos ele tinha vendido toda nossa mobília, nossa TV a cores e os dois carros. E não tínhamos mais nenhum ar condicionado. A nova realidade era um choque pra mim, então maus pais resolveram me levar para um parque onde órfãos cheiravam cola para que eu pusesse minha situação em perspectiva. Me lembro muito vividamente: eu fiz a mim mesma a promessa de que um dia eu iria , um, reivindicar a situação social e econômica de meus pais e, dois, fazer algo por aquelas crianças. A imagem daquelas crianças naquele dia no parque nunca saiu da minha cabeça.
Parece um discurso macarrônico de uma minissérie, mas sinto que é assim que Shakira vê sua vida: um drama épico que tem ela como protagonista. De qualquer forma, pouco depois deste divisor de águas, ela escreveu sua primeira música. Dois anos depois, entrou em uma trupe de dança que se apresentava para trabalhadores de minas pela Colômbia. Aos 13, depois de tocar uma fita demo para um executivo da Sony em um hobby de hotel, ela conseguiu um contrato de três discos.
Embora tenha conseguido um single número um na Colômbia, as vendas dos dois primeiros discos foram desapontadoras. “Tentei dar uma chance a minha carreira em Barranquilla, mas os músicos nunca apareciam. Não levavam a sério”. Ela convenceu sua mãe a se mudar com ela para a capital, Bogotá, onde conseguiu um papel em uma popular novela. (‘Eu era péssima’, ela diz, rindo). Mas um prêmio de ‘Melhor Traseiro’, dado por uma revista, não era o suficiente para satisfazer as ambições de Shakira. Então ela foi avisada pela Sony que seu contrato não seria renovado a menos que as vendas de seu próximo disco aumentassem drasticamente.
“Imagine a pressão! Mas trabalho melhor dessa forma e, basicamente, fiz meu primeiro álbum realmente bom”. Atenta para o fato de que talento não é necessariamente igual a vendas, Shakira promoveu o disco por toda a América Latina. “Te juro que fui a toda as rádios com aquele disco embaixo do braço – até mesmo uns lugares obscuros em Honduras.”
Como Scarlett O’Hara jurando reconstruir Tara, ela continua: “Fiz meu trabalho. Coloquei um tijolo encima do outro, sob o sol, com trabalho árduo e suor.” E valeu a pena: o álbum vendeu seis milhões de cópias em todo o mundo, incluindo um milhão na América do Norte. Hora de Shakira planejar sua próxima tacada – o Mercado de língua inglesa. O fato de não falar uma palavra de inglês era o menor dos problemas. Ela se trancou com um professor particular, estudou as letras de Bob Dylan e a poesia de Walt Whitman e escreveu as letras do disco ‘Laundry Service’ “Com um dicionário em uma mão e um dicionário de rimas na outra”.
Porque se preocupar quando um compositor profissional poderia ter feito o serviço? Shakira ri de novo. “Simplesmente senti que aquilo era parte do meu destino e precisava cumprí-lo. Sabia que tinha que pular em uma piscina de água gelada sem nem saber nadar, e aprendi. Compor é uma parte muito íntima de mim como artista e como pessoa, não poderia simplesmente deixar outra pessoa fazer isso”
Os falantes de língua espanhola dizem que as canções em sua língua nativa são muito mais profundas do que seus números em inglês e lamentam o fato de ela ter se vendido e se tornado um clone homogêneo. Shakira certamente joga um jogo perigoso – balancear a imagem de uma artista séria que cita Led Zeppelin e The Cure como influências com a de seu alter ego – uma gostosa em roupas de couro ofegando em uma jaula, como ela faz no vídeo para o mais recente single, She Wolf. Mas as vendas dão suporte a ela: ‘Laundry Service’ vendeu 13 milhões de cópias. Em 2005, ela lançou a série de dois álbuns ‘Oral Fixation’, cujo single ‘Hips Don’t Lie’ se tornou o mais vendido do século, junto com Hung Up, de Madonna.
Como sempre, o sucesso estimulou Shakira a subir ainda mais alto. Ela estendeu seu alcance à América negra ao fazer um dueto com Beyoncé e trabalhar ostensivamente com escritores como Donna Summer e Wyclef Jean. Em seu novo álbum, ‘She Wolf’, ela colaborou intensamente com o produtor do momento, Pharrell Williams, para produzir um som eletrônico que pouco lembra suas origens latinas, mas que certamente será um grande sucesso nas boates.
Ainda assim, ela se sente ofendida com as acusações de que abandonou sua terra natal. Sua principal casa é nas Bahamas; seus pais vivem a um pulo em uma casa que ela comprou para eles em Miami, mas ela ressalta que a família volta à Colômbia “sempre”.
Tendo deixado seu convento para cair na estrada, Shakira agora está ansiosa para botar sua educação formal em dia. Ano passado ela fez uma pausa para fazer um curso sobre civilização oriental em uma universidade da Califórnia, Los Angeles. Depois, ela teve que arranjar tempo para de la Rúa, que tinha uma imagem de playboy, mas que nos últimos anos se redimiu através de seu trabalho como vice-presidente da Alas, uma fundação de auxílio a crianças latinas.
Será que eles vão se casar? “Não!”, ela diz, rindo, mas firme. “Quero ser uma eterna namorada. Quero ter os filhos do meu namorado, mas não acho que precisamos de um pedaço de papel para regular o jogo e não precisamos passar por todo o stress de um casamento e o sofrimento de se dar uma boa festa”.
Mas terá nenéns? “Sim, estamos muito prontos para reproduzir. Em algum momento durante a produção deste disco eu estava meio “quero parar tudo e ter um bebê”. Você chega aos 30 e alguma coisa muda. Seu reloginho fica te lembrando que outra parte importante da sua existência é reproduzir”. Ela quer dois filhos, Antonio, três. “Posso precisar parar de trabalhar por uns dois meses para amamentar, mas vai ser por aí. Não consigo considerar a idéia de não trabalhar”
Ela é tão incansável trabalhando em sua fundação quanto é em sua música. Sobre a primeira, ela diz, “Essa é a parte da minha vida que sempre vou ter. Mesmo quando tiver 60 anos e ninguém me der mais atenção, poderei ir às escolas que ajudei a fundar e ver o progresso dessas crianças”
Shakira representa de muitas formas o sonho de “ter tudo” para o qual as mulheres de hoje em dia deveriam viver: dominação global, filhos, seguidos por mais dominação global e trabalho semi-pornográfico. Tudo isso ao mesmo tempo em que é uma santa moderna e uma aluna de PhD.
Será possível para uma mulher conquistar isso tudo e continuar sã? A única confissão de que nem tudo é perfeito chega quando estamos nos despedindo (outro entrevistador está esperando – Shakira vai continuar encantando a mídia até as duas da manhã). A melodia contagiante de She Wolf vem pela porta, com sua letra tipicamente arrebatadora sobre licantropia’ e se sentir abusada ‘como uma máquina de café em um escritório’. Então, quem é esta She wolf, eu pergunto.
“Uma mulher livre. Feliz”, ela diz, enrugando seu adorável nariz.
‘Como você?’ Ela sorri. “Bem, sim, como eu depois de oito anos de análise. Acho que estou deixando a she Wolf sair mais do que há dez, cinco anos. Acho que estou chegando lá.
Texto original: Julia Llewellyn Smith