Todos conhecem Shakira como a sirene que chacoalha os quadris do pop. Se você não sabe do que estou falando, vá para o You Tube e confira o vídeo para Hips Don’t Lie. A música, gravada com Wyclef Jean, chegou ao primeiro lugar em 55 países, inclusive os Estados Unidos. Sua mais recente faixa, Gypsy, é um tributo similar às suas famosas curvas, com a diferença que, desta vez, ela interage com o deus do tênis Rafael Nadal.
Mas Shakira— originalmente Shakira Isabel Mebarak Ripoll— está se empenhando em tornar seu trabalho humanitário tão conhecido quanto seus quadris. A causa? Educar crianças necessitadas construindo escolas e centros comunitários em alguns dos lugares mais pobres na sua Colômbia natal e convencer outros líderes latino-americanos a investir na educação infantil precoce.
Quando me encontro com Shakira, ela está tirando uma tarde de folga de sua apertada agenda de gravações para visitar uma escola que recebe subsídios do governo em Los Angeles. “Sempre tive a intuição, mesmo quando era criança, de que tinha um chamado para um grande projeto”, diz a cantora, agora com 33 anos de idade, enquanto viajamos no carro.“Tenho certeza de que muitas crianças sentem o mesmo, mas elas não tem um ambiente convidativo para que explorem seu potencial ao máximo. Tenho sorte de ter tido estas coisas: carinho, amor, pais instruídos e uma boa escola”
Esta sorte – combinada com trabalho duro – tem permitido que ela promova suas causas nos níveis mais altos. O presidente Obama se encontrou com ela mês passado no Salão Oval para ouvir sua opinião sobre educação para crianças latinas. Nos últimos seis meses, ela fez uma comunicação na Oxford Union, apareceu nas páginas da The Economist foi convidada pela Brookings Instituion para ser a celebridade por trás da proposta de criar um fundo mundial para educação, feito sob os mesmos moldes do fundo mundial de combate à malária, tuberculose e AIDS.
Ela entende de privação devido a sua própria formação na extremamente estratificada cidade de Barranquilla, onde eu também cresci. Localizada no lado caribenho da Colômbia, cerca de 50% das pessoas deste porto vivem abaixo da linha da pobreza. Mais de 43% das crianças não tem acesso a educação primária e menos de 20% tem acesso a internet. O que acontecerá àqueles que vivem na pobreza extrema e não recebem nenhum tipo de educação é previsível em um país com um longo conflito civil e uma economia movida pelo tráfico de drogas: “Ser um militante ou um traficante são as únicas opções”.
Em 1996, Shakira começou a investir seus próprios recursos para reverter este curso. Sua Fundação Pies Descalzos começou bem pequena, “assinando cheques para orfanatos”quando ela tinha 18 anos e conseguiu seu primeiro hit na América latina. O disco era Pies Descalzos, em homenagem ao qual a fundação foi batizada. Naquela época, ela era mais uma garota rock and roll, uma cantora e compositora com cabelos negros, calças apetrtadas e uma guitarra. Dois anos depois, ela conseguiu um hit ainda maior Donde Están Los Ladrones? vendeu milhões de cópias. Armada com mais dinheiro e um talão de cheques mais pesado, Ela chamou Maria Emma Mejía, ex-ministra da educação, para ajudá-la a administrar Pies Descalzos. “Tenho muita sorte de ela ter aceitado. Eu tinha apenas 20 anos e ela era muito conhecida na época”.
Shakira então se mudou para Miami, tingiu os cabelos de louro e aprendeu inglês – determinada a conquistar o mercado norte-americano. Em 2001 ela lançou Laundry Service, seu primeiro disco em inglês, que vendeu 18 milhões de cópias. Em 2006, ela dominou o mundo com sua música sobre quadris.
De acordo com dados no ano passado, Shakira já vendeu uns 50 milhões de discos. Ela ganhou dois Grammys e sete grammys latinos. Dois anos atrás, a revista Forbes a classificou como a quarta mulher mais rica da música (depois de Madonna, Barbra Streisand e Celine Dion) e ela acaba de ser escalada para escrever a música oficial da próxima Copa do Mundo na África do Sul. Milhões de pessoas assistirão sua performance ao vivo na TV.
Com relação a sua fundação, o que a principio começou como uma tentativa de alimentar alguns milhares de refugiados na costa do pacifico se tornou uma organização completa que oferece educação de alta qualidade, alimentação e assistência psicológica para crianças desabrigadas e suas famílias em três cidades diferentes da Colômbia. Estes centros, conhecidos como mega-escolas, atendem mais de 6 mil crianças e suas famílias.
“Nossos projetos provam que se fizermos os pais se interessarem, faz uma grande diferença”, ela diz. “Fazemos com se interessem porque as crianças recebem uma refeição, porque estão felizes, porque estão brincando e desta forma estão sendo protegidas de entrar para as guerrilhas ou para os paramilitares”
A última contribuição de Shakira foi para nossa cidade-natal. Em fevereiro de 2009, a Fundação Pies Descalzosinaugurou uma mega-escola de primário e ginásio de 6 milhões de dólares. El colégio de Shakira, como é conhecido, só recebe elogios. Um amigo o descreveu para mim como uma instituição americana, e com isso quis dizer que o lugar é muito moderno. O complexo inclui auditório, laboratórios de química e até mesmo ar condicionado. “Os pais recebem aulas de inglês e aprendem a usar computador”, Shakira diz, “e toda a vizinhança pode jogar futebol lá”. As famílias procuram todas as maneiras possíveis de se aproximar da escola.
Estará ela fazendo o papel do governo, eu pergunto. “Não”, ela diz, enfaticamente.”estamos provando uma teoria. Se nós podemos fazer, o governo também pode”. A fundação de Shakira constrói as escolas e então as doa para que o distrito as administre. “Com o passar do tempo, o governo gradativamente assume responsabilidades. Isto é essencial”. O júri ainda está de olho neste modelo. Será que agencias do governo com pequeno orçamento permitirão que as escolas sobrevivam? Por enquanto, Shakira pode se gabar que as turmas que se formam este ano no Colegio de Shakira tiraram notas bem altas no vestibular.
Dois anos atrás, Shakira apareceu no encontro anual de presidentes latino-americanos em El Salvador. Ao que se diz, a única preocupação dos líderes foi conseguir uma foto com a estrela. Na reunião seguinte, em 2009, Shakira se deu melhor em promover sua causa. Colômbia, Paraguai, Chile, Panamá, Argentina e México assinaram um acordo para trabalhar com a ALAS – uma fundação criada por Shakira e seu noivo para combater a pobreza – para desenvolver educação infantil em seus países. Nem o venezuelano Hugo Chávez nem nenhum dos governos que o apóiam se interessaram.
No momento, o foco de Shakira é em como ajudar as crianças Latinas nos Estados Unidos. Então, depois de uma longa noite no Serenity Studios—“escrevi uma música ontem” – e 5 horas de sono, ela está pronta para saber da escola que recebe subsídios do governo em Skid Row, onde a maioria das crianças é latina e desabrigada, ou semi desabrigada. Elas vivem em carros, garagens, cabanas ou se apertam com muitas famílias em um cômodo.
Conforme a Escalade acelera pela sexta avenida, Shakira muda o assunto. “Se a população que mais cresce neste país é a latina, isto significa que somos o futuro deste país”, Ela fala, em inglês muito fluente. “E nós provamos que temos talento”, ela para e pisca. “Agora precisamos das ferramentas para triunfar”. Ela me lembra que os latinos representam o maior número de evasão escolar no ensino médio.
Shakira para de falar por alguns momentos e olha para a rua. “eu morei aqui por alguns meses quando tinha oito anos”, ela diz. “foi um momento decisivo em minha vida. Minha mãe e eu viemos. Meu pai foi à falência, então ele nos mandou para a casa de um amigo em Orange County. Para mim, foi uma espécie de ferias, comendo doces americanos, enquanto meu pai passava pelo inferno”
Quando ela voltou para a Colômbia, tudo o que ela conhecia em sua confortável casa tinha desaparecido: os dois carros, a mobília, até mesmo os dois condicionadores de ar. “Me lembro dos buracos na parede”, ela diz, fazendo um quadrado com os dedos. “A TV colorida virou preto e branco. Eu estava tão chateada, irritada com meus pais. Não conseguia acreditar na incompetência deles”, ela termina com uma risada, para explicar o quão imatura era sua atitude.
Para dar à garota um pouco de perspectiva, seus pais a levaram a um parque: “Eu vi crianças desabrigadas, descalças, cheirando cola. Isso ficou marcado na minha mente. Percebi que ainda podia ir à escola. Ainda tinha uma família amorosa”, ela diz, se inclinando para frente.
“Fiz uma promessa mim mesma. Naquele momento eu soube que queria ser parte da solução, por aquelas crianças, por mim mesma e por meus pais. Assumi um compromisso com o sucesso”, ela disse. “Não queria passar o resto da minha vida sem poder andar num carro legal”. Suas mãos pequenas com as unhas feitas batendo de leve no banco de couro.
As freiras em sua escola – as mesmas que a encorajaram a fazer dança do ventre em performances na escola – também a ensinaram “responsabilidade social”. Toda sexta, sua turma era levada a uma das regiões mais marginalizadas de Barranquilla. “As condições de ensino para aquelas crianças não viabilizavam o aprendizado. Elas estavam descalças, semi-nuas, famintas e com calor. De forma alguma aquelas crianças aprenderiam alguma coisa – nem mesmo uma vogal”, ela diz, ainda frustrada. “O que mais me surpreendia era o estado da escola. Como você vai fazer as crianças se concentrarem se elas nem sequer estão em uma sala de aula?” El colegio de Shakira fica bem no local onde as freiras a levaram.
“Não sei se as crianças irão me reconhecer”, ela diz, enquanto o carro para no estacionamento da escola. Ela tira os brincos de falsos diamantes em forma de para raios que pesavam em suas orelhas. “mas se elas me reconhecerem eu abraçá-las, isso pode machucá-las”
Sem o ultimo sinal de glamour roqueiro, Shakira desce do carro usando uma camisa preta quadriculada e jeans (sem maquiagem) e se torna quase tímida quando cumprimenta as três mulheres próximas à porta da escola. Durante a próxima hora,ela é toda ouvidos para as mulheres, que explicam como administram a escola. Umas poucas crianças pedem autógrafos. Beth, uma menininha de oito anos e rosto arredondado, se aproxima. Shakira alegremente lhe dá um abraço. Sem brincos para atrapalhar.
Porque crianças e educação? Porque comunidades desabrigadas? Ela responde: “Porque vejo a mim mesma naquelas crianças. É a mesma coisa que aconteceu comigo – em uma escala maior”
Conforme o carro entra em Beverly Hills, faço minhas ultimas perguntas: Como você faz presidentes latino-americanos ouvirem a respeito de cuidados infantis diários? A resposta simples é ‘sendo Shakira’. A longa: “ALAS criou um secretariado para desenvolvimento infantil precoce e juntos nos mobilizamos para fazê-los expandir seus programas. O Banco Mundial acabou de anunciar uma linha de crédito de 300 milhões de dólares para financiar alguns desses programas. Reunimos os especialistas mais importantes nesta área para criar um manual para levarmos à próxima cúpula”. Ela fará isso na próxima Cúpula Ibero americana, que acontece em novembro na Argentina. A presidente Cristina Kirchner deu a ela um “compromisso extraordinário” de tornar o desenvolvimento infantil precoce um dos pontos centrais de discussão.
E o que você dirá a eles na Argentina?
“Nós apenas queremos tornar as coisas mais fáceis para os governos para que não tenham desculpa para não fazer nada. Aqui, senhores. Temos o crédito, temos o dinheiro. Temos os melhores especialistas. Temos o suporte técnico. Temos as recomendações. Agora mãos à obra”