A entrevista de Shakira para A revista Latina

Shakira está atrasada. Estamos agendados para nos encontrar no St. Regis Hotel em Nova Iorque às seis de uma tarde de sábado em junho, mas na hora marcada, sua amável assistente, Gaby Diaz, explica que ela está na academia a apenas alguns blocos de distância. Depois de uma semana intensa de ensaios fotográficos e edição de vídeos, alguns desanimariam. Shakira, pelo contrário, está se matando em uma árdua série de exercícios e uma entrevista antes de pegar seu vôo de volta para Nassau, nas Bahamas, onde vive com seu namorado de longa data Antonio de La Rúa.

Não é nenhuma surpresa que Shakira Isabel Mebarak Ripoll, 32, passe muito tempo na academia, duas horas por dia, para ser exato: 45 minutos de esteira, 20 minutos trabalhando braços, 15 de abdome, 40 de pernas e o resto alongando. É o tipo de regime a que apenas uma pop star de seu calibre se submeteria. Conforme se aproxima de sua segunda década de carreira, Shakira se encontra competindo com lady Gaga e Beyoncé, mesmo embora qualquer um que tenha visto seu vídeo com Sasha Firerce para ‘Beautiful Liar’ saiba que quando o assunto é mexer o quadril, não há competição.

E enquanto é fácil sentir como Michael Jackson (cujo single beneficente ‘What More Can I Give’ contava com a participação da cantora) levou embora com sigo o resto de mágica e filantropia pop quando morreu, Shakira está nos dando mais e mais.

“Algumas pessoas dizem que o mundo está indo em uma direção terrível”, ela diz, após seus exercícios, “mas eu acho que esta geração tem um novo senso de comprometimento, responsabilidade e consciência – muito mais do que nunca antes”.

Nascida de um pai libanês e uma mãe colombiana em Barranquilla, Colômbia, Shakira se transformou em uma das grandes estrelas de sua geração. Desde seu álbum de estréia, ‘Pies Descalzos’, lançado em 1996, ela já vendeu mais de 60 milhões de cópias em todo o mundo e recentemente se juntou a Jay-Z e Madonna ao assinar um contrato de dez anos com a Live Nation que, estima-se, tenha lhe rendido entre 70 e 100 milhões de dólares. Conforme sua popularidade cresceu, transcendendo fronteiras e línguas, cresceu também seu comprometimento com o ativismo social e sua habilidade única de trazer mudança para seu país e o mundo.

Como Bono disse uma vez, “Quando entra no assunto da pobreza infantil, ela consegue ser bem assustadora”. Ela também é incrivelmente eficiente. Mais cedo este ano, Shakira abriu a quinta escola no distrito La Playa em Barranquilla através de sua Fundación Pies Descalzos. A propriedade tem salas de aula de cimento expostas e bem ventiladas, um açude, um estúdio de dança e um campo de futebol de grama sintética.

As cinco escolas de Shakira atualmente atendem mais de cinco mil crianças – bem como seus pais – que foram desalojadas devido a uma guerra de longa data entre o governo colombiano e as forças armadas revolucionárias. De acordo com María Emma Mejía, diretora executiva da Fundação, mais de 40 por cento da população colombiana vive com menos de dois dólares por dia. “estas pessoas se tornaram invisíveis para a sociedade”, Mejía diz, “e é isso que Shakira está tentando mudar”.

O ganhador do prêmio Nobel Gabriel Garcia Marquez, amigo de Shakira, diz que ela tem uma “força de vontade de granito”, mas pergunte à própria Shakira e ela dirá que sua abordagem para os negócios, filantropia e a vida em geral consiste em uma série de perguntas: “por que tem que estar ok quando pode ficar bom? Por que tem que estar bom quando pode ficar ótimo? Por que tem que ficar ótimo quando pode ficar incrível?”.

Saindo do Club H Fitness, Shakira parece incrível: rosto brilhante, cabelos longos e dourados soltos caindo sobre os ombros. Ela sobe em uma escalade preta e segue com sua assistente para o aeroporto de Teterboro, em Nova Jersey, onde seu avião particular a espera.

Ela veste jeans azul escuro. Camiseta de algodão verde com botões azul-claro e tênis Converse dourados. Suas mangas estão arregaçadas e ela está pronta para a ação, respondendo às perguntas de forma atenciosa. Ela até mesmo pede educadamente que Diaz pare de digitar em seu BlackBerry por que isso a distrai – e Shakira não gosta de distrações, especialmente quando está discorrendo sobre a pobreza na Colômbia.

A desigualdade do sistema educacional colombiano ficou clara para ela pela primeira vez quando tinha 15 anos, no Colégio La Enseñanza, que exigia que seus alunos ensinassem os moradores de La Playa a ler e escrever. Três anos atrás, ela levou seu compromisso de educar os pobres a outro nível com a América Latina en Acción Solidaria (ALAS), uma coalizão de estrelas ibero-americanas que inclui o bom amigo de Shakira Alejandro Sanz, Juanes, Fher, do Maná, Ricky Martin, e líderes executivos proeminentes. A missão da ALAS é promover o desenvolvimento prematuro por toda a América latina, onde cerca de 46 milhões de crianças abaixo dos seis anos vivem sem assistência médica básica e educação.

“é difícil apresentar a importância da educação em países onde há problemas mais urgentes com que se preocupar, como altos níveis de desemprego”, ela diz, “mas o que a educação faz é prevenir doenças e o recrutamento de crianças para as guerrilhas. Combater a pobreza é uma estratégia”.

Ela é tão apaixonada pelo assunto da educação que é fácil esquecer que o motivo de sua viagem a Nova Iorque é menos filantrópico do que licantrópico – que diz respeito à transformação de um ser humano em lobo. Em seu novo álbum, a princípio intitulado de ‘She Wolf’ e com lançamento previsto para outubro, a maioria das músicas será em inglês e algumas em espanhol (um álbum completo em espanhol é esperado para 2010). Os colaboradores em She Wolf incluem Pharrell Williams, Jorge Dexler, John Hil, Gustavo Cerati e Wyclef, que produziu seu maior hit até agora, Hips Don’t Lie. O primeiro single (“She Wolf/ Loba”) é um electro-pop com uma linha de baixo dominante que lembra a era disco e fala sobre uma menina infeliz que troca seu apático namorado pela noite e sai à caça. Shakira descreve sua mítica criatura como uma metáfora para “a mulher moderna, que cuida de si mesma, vive livremente e que nunca esteve mais feliz”. No vídeo comandado por Jake Nava, ela se transforma em uma loba, se pendura em uma jaula e se contorce vestindo pouco mais do que sapatos de salto e um collant cor de pele. “Não sei como a idéia veio até mim”, ela diz sobre a música. “Simplesmente veio. De algum lugar de dentro”. Era apenas outro dia em seu estúdio nas Bahamas, o La Marimonda, batizado em homenagem ao macaco-aranha das Américas central e do sul. “Eu ouvi a melodia, me recolhi num canto e escrevi a primeira parte em menos de cinco minutos. Depois veio o uivo e o ofegar”

Shakira nunca vai esquecer o dia em que descobriu o poder de sua voz. “Numa tarde de domingo estávamos indo para a praia e meu pai estava cantando, então me juntei a ele”, ela lembra. “E ele se virou para minha mãe e disse ‘Que potência de voz tem a menina!’. Não sabia exatamente o que ‘potente’ significava, mas alguma coisa acendeu, me lembro claramente. E continuou comigo para sempre”.

Ela ainda depende dos pais para aconselhamento, se referindo a Nídia, William e De La Rúa como uma espécie de “santíssima trindade”. Seu companheiro é um advogado que não só a aconselha em seus negócios e assuntos legais, mas que também serve como vice-presidente da ALAS. Porém, uma vez que ele não pôde ir até Nova Iorque ajudá-la a escolher as fotos para o novo disco, ele chamou os suegros.

“O Antonio não pode estar comigo todo o tempo”, diz ela. “Ele tem estado ocupado com trabalho, então os chamou. ‘Nídia, William, vocês podem ir ficar com La petiza?’” (o apelido de Shakira, que significa ‘pequena’). Obviamente, William e Nídia não caíram de amores pelo collant, mas deram sua benção no fim. Sempre dão.

Foram os pais de Shakira que apresentaram pela primeira vez a importância de retribuir, muito antes de seu trabalho voluntário na escola. Quando Shakira tinha sete anos, a joalheria de William foi à falência e sua vida de classe média – dois carros, TV em cores – se foi. A família foi forçada a vender quase tudo o que tinha. Para provar que as coisas poderiam ser piores, os pais de Shakira a levaram a um parque onde crianças desabrigadas cheiravam cola para tapear a fome.

“Aquilo me tocou de tal forma naquele momento que assumi o compromisso de vencer na vida e dar uma mão àquelas crianças”, ela diz, sobre a experiência. Hoje, a influência de Shakira é tal que ela foi convidada a se apresentar nas festividades de posse de Barak Obama em Washington. Embora ela tenha ficado impressionada com a habilidade do presidente de “se conectar com todo mundo no ambiente”, foi seu encontro com Michelle Obama que a marcou. “Ela me deu um daqueles abraços aconchegantes que parecem um casaco que você pode levar com você”, diz ela, sobre a primeira dama. “Ela é uma mulher incrível. De certa forma, ela também democratizou a moda, ela combina muitas peças e estilistas. Este é o tipo de mulher que precisamos: acessível”.

Por todo seu ativismo na região e os próprios esforços para se manter acessível, alguns fãs latino-americanos reclamam que ela se desviou de suas raízes. Outros se sentem incomodados por seu sotaque, um híbrido que é mais argentino do que colombiano – o que não é nenhuma surpresa, já que alguns dos principais membros da equipe de Shakira são argentinos, incluindo Diaz e um de seus dois terapeutas.

Shakira procurou ajuda para lidar com a “ansiedade existencial”, um comum efeito colateral da fama, desde os 23. “Gosto de ter uma pessoa que me ajuda a me auto-analisar”, ela diz. “Eu recomendo a todo mundo que conheço. Tenho muitos amigos que vão à terapia agora, e as vidas deles mudaram de forma bem positiva. Quando quero respostas para todas essas perguntas – o que eu quero? Quem sou eu? Por que ainda estou fazendo isso? – eu procuro meu analista”.

Ou ela irá para a praia nas Bahamas, sua fuga do mundo real a um pulo de Miami, onde seus pais vivem. “É legal não ter que fazer pose para a câmera sempre”, ela diz, a respeito da vida na ilha. Às vezes, ela põe um chapéu de palha, luvas e corta rosas em seu jardim. Em seu último aniversário, ela saiu para patinar no gelo e jogar boliche com amigos e familiares, incluindo Alejandro Sanz e os reggaetoneros do Calle 13.

Embora tenha uma biblioteca em casa e tenha terminado recentemente de ler “A metamorfose”, de Franz Kafka, Shakira se delicia com prazer em “terríveis” chiliques como ‘Noivas em Guerra’. “Não quero ver nada que seja emocionalmente desgastante”, ela diz. “A vida já é tão intensa”.

Sempre que Shakira fala sobre De La Rúa, seus olhos brilham e sua voz estremece – no mesmo vibrato peculiar que seus colegas de escola católica uma vez classificaram como o som de uma cabra.

Ela encontrou De La Rúa, filho de um ex-presidente argentino, pela primeira vez em Buenos Aires em 2000. “Eu o vi de longe e disse para mim mesma ‘este é o homem da minha vida’, diz Shaki. “Foi amor a primeira vista. Depois de nove anos, eu o amo mais e mais a cada dia. Ele é uma boa pessoa, inteligente, sexy, sensível e engraçado. E tem sido um companheiro fiel que tem me ajudado a ser uma mulher melhor pessoal e profissionalmente. Aprendi muito com ele. Acho que dei a ele coisas similares em troca e é por isso que ainda estamos juntos. O que mais eu poderia pedir?”

A maioria das mulheres pediria um anel, mas a união de Shakira e De La Rúa é muito como a de Johnny Depp e Vanessa Paradins no sentido de que não precisa ser validada pela igreja ou pelo estado. “Por que mexer no que não está errado?”, ela diz, enquanto torce seu cabelo em um coque. “Antonio e eu já temos uma relação excelente. Não vou dizer que é perfeita, porque não é, mas somos muito unidos como casal e não vejo como poderíamos estar mais próximos por assinar um papel. Pelo contrário, é assustador como algumas vezes essas coisas arruínam o que está bom, estatisticamente falando. Gosto de pensar em mim como a eterna namorada dele. Poderia ficar assim para sempre. Adoraria dar à luz aos filhos dele. Eu planejo dois, ele quer três”, ela adiciona, parecendo uma namorada que prepara o álbum de fotos de seu primogênito desde os doze anos.

Conforme a escalade chega a Teterboro, Diaz anuncia que é hora de ir, mas Shakira insiste em ter mais alguns minutos. “Às vezes, à noite, penso em mim com uma grande barriga”, ela diz. “É o meu lugar feliz. Quero ter uma barriga enorme. Eu almejo isso!”

Embora a maternidade ainda seja um mistério para ela (“Não acho que alguém possa te preparar, simplesmente tem que acontecer”), parece que quanto mais tempo Shakira passa com as crianças de Pies Descalzos, mais pensa em ter suas próprias. Mas a concepção vai ter que esperar. Pelo menos até depois de sua turnê em suporte a She Wolf e o lançamento de sua primeira fragrância, em 2010.

Shakira finalmente sai do carro, mas não antes de adicionar: “Antonio vem de uma família de três (irmãos), então ele quer três, mas acho que não há tempo! Eu tenho outras cinco mil crianças em quem tenho que pensar – 5002 parece um bom número, não?”. Para a maioria das pessoas, seria demais. Mas para La Petiza, é perfeito .

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